Publicação: 04/06/2014 13:27 Atualização: 04/06/2014 16:13 - O Imparcial
Nos últimos dois meses, São Luís foi palco de pelo menos 15 manifestos de populares e de categorias profissionais, que pararam a cidade, interrompendo o trânsito e causando transtornos às atividades diárias da população. Manifestar-se é um direito constitucional, mas qual o limite desse direito? Até onde a vai a legalidade dos protestos? O Imparcial ouviu alguns especialistas, que analisaram essa questão.
No Brasil, é facultado o direito à livre manifestação de pensamento, inclusive de protestos populares. Isto, desde que não impeça o direito de ir e vir ou cause dano ao patrimônio ou à pessoa. Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XVI, 'todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente'. Em seu artigo 4º, por exemplo, a Constituição prevê pena de 15 a 30 anos para quem "provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo".
A socióloga e pós-graduada em História da Sociedade, Marisa Rosa Silveira, avalia ser necessário mais diálogo entre governantes e população para que esses atos não sejam recorrentes a ponto de interferir na vida das cidades, parando-as. "Sobretudo, que os gestores cumpram o que prometem, pois o povo se mostra desacreditado e cansado de esperar por melhorias", avalia. Maria Silveira explica que os manifestos atuais não chegam a ser focos de revolução ou revolta. "Mas, são manifestações populares, que, a exemplo de outras, como as de junho do ano passado e as Diretas Já, iniciaram com um tema pontual e serviram para estimular processos mais amplos e diversos", analisa.
O também sociólogo, pós-graduado em Ciências Sociais, professor universitário e pesquisador, Romário Silva Braga, pontua que, de certa maneira, a maior parte dos que hoje se manifestam são das classes sociais esquecidas. Segundo sua avaliação, as manifestações representam um primeiro passo para a conscientização política da população - mesmo que a passos lentos - e pela busca de melhorias nas condições de vida. "Assim, não resta outra saída ao poder público, senão atuar para a coletividade, gerenciando a efetivação das políticas públicas", reitera. Braga pondera que os movimentos deveriam organiza-se melhor. "Apresentando organização e unidade, as chances de terem suas reivindicações atendidas seriam bem maiores", diz. E conclui serem legítimos, apesar disto, "por apresentarem um conjunto de reivindicações já conhecidas e discutidas pela classe política e sociedade civil".
Protestos em São Luís
Nos últimos dois meses, São Luís foi palco de pelo menos 15 manifestos de populares e de categorias profissionais, que pararam a cidade. A greve de motoristas, que ainda persiste, completa 15 dias, porém, desde ontem, após acordo entre manifestantes e Ministério Público, mais da metade da frota voltou a rodar, trazendo um pouco de alívio à população. Os professores da rede municipal também estão em greve e recentemente o Tribunal de Justiça do Maranhão acatou pedido da Prefeitura de São Luís e julgou ilegal a greve dos professores municipais. Na decisão, o Tribunal elencou uma série de fatores que tornariam ilegítimo o movimento, entre eles, a falta de comunicado oficial e reivindicação de reajuste acima do que prevê o orçamento Legislativo. Além do retorno imediato às atividades, como pena, os dias parados serão descontados da categoria. A decisão não conteve um grupo de professores, que, mesmo ilegitimado pela Justiça, tomou para si o direito de atentar contra o Direito de Privacidade - inerente a todo ser humano e descrito na Constituição Federal. Em lugar de dirigir-se à sede da Justiça para contestar a determinação, ou mesmo à casa do Executivo, o foco foi a residência do gestor municipal. Conforme também prega a Constituição, a residência é espaço inviolável, salvo por decisão judicial que autorize o contrário.
A Constituição diz que a manifestação dos movimentos grevistas não poderá impedir o acesso ao trabalho, nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa, diz o advogado e pós-graduado em Direito do Trabalho e Municipal, Zenilton Vieira. E alerta que a violação destas normas pode gerar sanções. "Ocorre que, o manifesto em via pública tem sido o principal meio de apelo, principalmente dos menos favorecidos", ressalta. Segundo ele, a discussão seria no sentido destas lideranças e grupos garantirem o direito de ir e vir das pessoas, conforme preconiza a Carta Magna. Quanto aos protestos que vêm ocorrendo, Zenilton Vieira pontua serem resultado da insatisfação popular em relação a deficiências em áreas como saúde, educação, transporte, segurança. “Esse conjunto de fatores acabou por gerar um descontentamento na população, principalmente entre os mais jovens, levando-os a agir de uma forma nem sempre coerente, mas que às vezes surte efeito, ainda que temporário”, conclui.
Protestos no mundo
Na Espanha, em resposta aos protestos populares ocorridos, o país promove atualmente uma série de reformas em sua legislação penal. Desde março estão em discussão o direito à manifestação, o papel da imprensa e a segurança pública e privada. A comunidade crítica espanhola condenou o projeto por tentar criar um ‘manifestódromo’ - espaço fechado reservado às manifestações. Segundo o professor de Direito da Universidade de Huelva, Juan Carlos Ferré, "determinar um local específico destinado exclusivamente para protestos seria retirar o caráter democrático dos movimentos sociais".
Em janeiro deste ano, a Ucrânia aprovou uma lei contra manifestos antigoverno. A lei recebeu várias críticas populares e por parte de opositores do presidente Viktor Yanukovitch. Segundo a norma, a instalação não autorizada de tendas, palcos ou instalações e amplificadores em locais públicos serão punidos com multa de US$ 640 até 15 dias de detenção. A lei também pune pessoas ou organizações que forneçam equipamentos para reuniões não autorizadas com multa de US$ 1.275 ou até 10 dias de prisão. O uso de máscaras é punido com 15 dias de prisão e a disseminação de informação extremista ou caluniosa fica proibida.
A capital do país, Kiyev, tem sido palco de manifestos antigoverno desde que o presidente se recusou a assinar acordo com a União Europeia, em novembro passado, e aceitou ajuda financeira da Rússia. O cenário voltou a por Rússia e Ocidente em lados opostos. Em janeiro do ano passado, o governo da China, país comunista, proibiu os protestos contra a censura que este aplica no país e disse que o país não tem infraestrutura social e política para apoiar a liberdade de imprensa. O Partido Comunista chegou a alertar que "o Governo ainda tem o controle total dos meios de comunicação e que este princípio é 'inquebrantável'". Foi proibido ainda o apoio de jornalistas a protestos antigoverno.
No mundo Árabe, palco de conflitos sangrentos, onde, a cada ato, centenas perdem a vida, estão proibidas manifestações na Arábia Saudita, desde 2011, inclusive com a polícia autorizada a reprimi-las. O anúncio foi feito à época pelo ministério do Interior à SPA, agência oficial de televisão do país. O comunicado anunciava que "as leis do reino proíbem todo o tipo de manifestação, marcha ou protesto pacífico, já que vão contra a sharia (lei islâmica) e as tradições da sociedade saudita". A ordem foi dada após uma série de protestos que desbancou em poucas semanas os longos governos da Tunísia e do Egito e segue até hoje se espalhando por diversos estados do mundo árabe como o Irã, Líbia, Jordânia e Argélia.
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