NOVOS TEMPOS
Por Sergio Jellinek em 17/06/2014 na edição 803 - De: Observatório da Imprensa
Reproduzido do BrasilPost, 11/6/2014; intertítulos do OI
A correlação entre maior cobertura na internet, mais velocidade de acesso para os usuários e uma queda no consumo da imprensa escrita parece indiscutível, pelo menos nos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, esses fenômenos interligados parecem estar estimulando o surgimento de um jornalismo digital independente, que apresenta uma importante alternativa aos meios de comunicação tradicionais.
A compra de diários emblemáticos como o Washington Post pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos, por 250 milhões de dólares, ou do Boston Globe, adquirido pela quantia de 90 milhões de dólares por uma equipe de beisebol, contrasta obviamente com as operações de compra ou venda de plataformas da internet, que atingem bilhões de dólares.
Eu mesmo, um tradicional assinante do Washington Post, me pergunto todos os dias por que continuo mantendo essa rotina de ir até a porta para pegar o jornal logo que me levanto, com a ilusão de iniciar o dia bem informado. Na realidade, o que faço é olhar as manchetes enquanto tomo um café e, invariavelmente, uso o meu iPad para ler as chamadas noticiosas da BBC, dos diários latino-americanos, do Huffington Post, do El País, etc. Tudo isso é feito no mesmo tempo que eu levaria para ler um dos longos artigos do Washington Post.
Talvez o domingo seja uma exceção porque esta é a oportunidade que se tem de ler de modo mais descontraído a edição mais compacta desse dia, em uma experiência semelhante a um retorno ao passado. A um tempo em que o ciclo noticioso ainda podia se manter por vários dias e não se falava detrending topics (assuntos do momento) ou de vídeos virais.
Novas aventuras
Enquanto os grandes jornais estadunidenses reveem o seu modelo de negócio e, pouco a pouco, oferecem serviços pagos de leitura na internet, na América Latina uma boa parte da imprensa escrita tradicional goza de boa saúde econômica e, consequentemente, mantém seus leitores. Por essa razão, e levando em conta o crescimento paulatino da internet, suas páginas eletrônicas continuam acessíveis sem nenhum custo.
Não há dúvida de que o avanço da classe média latino-americana na última década levou a um aumento de consumo. Tampouco há dúvida de que a imprensa escrita e seus anunciantes se beneficiaram desse processo, e isto sem levar em conta os aspectos profundamente culturais em vários países, onde o jornal é o pretexto para conversas em bares, cafés e boliches.
No entanto, apesar de suas próprias dificuldades econômicas e também de patrocínio, várias experiências de jornalismo digital independente conseguiram se concretizar, criando uma alternativa cada vez mais viável ao meio de comunicação impresso tradicional.
O Huffington Post nos Estados Unidos, o MediaPart na França, o Animal Político no México, La Silla Vacía na Colômbia ou El Faro em El Salvador, para citar apenas alguns exemplos, conseguiram criar uma percepção de que o jornalismo digital pode ser tão profissional quanto o outro jornalismo, e possivelmente mais viável em termos econômicos. Esses veículos também parecem ser capazes de estabelecer uma comunicação com públicos mais jovens, que há muito tempo deixaram para trás a leitura dos meios escritos em papel.
Não há um único modelo de negócio para que se possa falar de um novo paradigma. Ao contrário: existem múltiplas variações que dependem das circunstâncias de cada iniciativa.
Outro caso promissor é The Conversation, uma proposta que surgiu na Austrália com o objetivo de transformar dois problemas em uma solução. Por um lado, viabilizar a possibilidade de decodificação da pesquisa científica realizada nas universidades a fim de torná-la acessível ao público a que se destina. Por outro, recuperar os jornalistas profissionais que diante da crise dos diários tradicionais buscavam outras aventuras.
Assim, os decodificadores de sempre – os jornalistas – encontraram um ambiente adequado e com financiamento garantido (as universidades) para preencher um hiato de conhecimento que todos aqueles que financiam a pesquisa no âmbito acadêmico, do Estado à iniciativa privada, passando pelas fundações especializadas, consideram importante superar.
Negócio sustentável
The Conversation foi lançado primeiro na Austrália, há três anos, em seguida na Grã-Bretanha, mais tarde na Holanda, em uma edição bilíngue, e agora está chegando à África e à Ásia, além da possibilidade de ingressar na América Latina e na Espanha em 2015.
Pelo que eu vejo, esta iniciativa constitui um outro modelo de negócio que poderia ser sustentável.
Seja por meio de assinaturas, em alguns casos (França), de publicidade, de patrocínio como em alguns exemplos latino-americanos ou por uma combinação de todos esses elementos, em outros, tudo indica que o jornalismo digital – que oferece contexto, combina imediatismo com análise e complementa o que o Twitter apenas anuncia – parece ter chegado para ficar.
***Sergio Jellinek é gerente de Relações Externas do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe
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