20 maio 2014

Casos de denúncias de jovens que tiveram intimidade exposta na web dobraram no país de 2012 a 2013

Números podem ser ainda maiores, já que muitos adolescentes sentem vergonha de contar fato aos pai

Publicado por Fernanda F. - 19/05/2014 - De: JusBrasil


Em relação à nudez na internet, especialista diz que há uma mudança qualitativa e quantitativa em relação ao que antes era privado Foto: Diego Vara / Agencia RBS

Um pesadelo real insiste em reaparecer na vida de Fernanda (nome fictício). Na última semana, ao chegar em casa da faculdade, a jovem de 19 anos recebeu a ligação de um vizinho. Enquanto ele estudava no quarto de um colega da universidade – alguém que Fernanda nunca viu nem ouviu falar – se deu conta de que era ela quem estampava a tela do computador dele. Nas fotos, alertou o vizinho, aparecia em poses sensuais e com os seios à mostra.

Três anos antes, a jovem havia sido vítima do compartilhamento indevido de fotos íntimas, uma das consequências de um comportamento que vem crescendo exponencialmente entre os adolescentes: o Self Nude – mania de tirar fotos de si com partes íntimas expostas –, e o Sexting – envio de fotos nuas através de mensagem de texto ou aplicativos de celular, como o WhatsApp.

Fernanda sofreu e ainda sofre calada. Conforme o delegado Christian Nedel, da 1ª Delegacia de Polícia para o Adolescente Infrator, o número de denúncias de jovens que tiveram sua intimidade exposta indevidamente na internet vêm aumentando ao longo dos últimos anos, mas ainda é baixo em relação aos casos que ocorrem, já que muitos adolescentes, como Fernanda, sentem vergonha de contar aos pais sobre a situação ou desconhecem seus direitos.

Para a jovem, foi no final de 2011 que o drama começou. No dia de Natal, ela teve sua conta do Facebook invadida por colegas – que descobriram sua senha –, e fotos com os seios à mostra, que compartilhava com um grupo restrito de amigas, roubadas. As imagens rapidamente se espalharam entre o círculo de amigos, e de desconhecidos também.

Foi apenas na véspera da ceia natalina que Fernanda começou a perceber que algo estava errado. De férias do colégio, havia viajado para o Interior com a família. Apenas com o celular e sem sinal de internet, começou a receber ligações e mensagens com frases agressivas, de números de telefone que nem conhecia. “Você é uma vadia” e “sua vagabunda” foram alguns dos recados que apareceram em seu celular minutos antes do jantar. Depois de identificar a origem das agressões, veio a depressão.

– Eu sabia que não tinha feito nada de errado, já que tirei as fotos e compartilhei apenas com quem eu queria. Mas perdi o controle, e todo mundo acabou vendo. As pessoas foram tão agressivas que comecei a ficar muito triste – relembra.

A reação após a invasão

As fotos de Fernanda haviam sido tiradas dias antes, quando a jovem, então com 17 anos, encontrou-se com um grupo de amigas de infância. Brincando com fantasias de natal enquanto se divertiam na piscina do prédio dela, resolveram registrar o momento e fazer poses sensuais para “zoar”. No dia seguinte, criaram um grupo privado na rede social para compartilhar as fotos entre elas e combinar os próximos encontros.

– Eu já tive muitos problemas com autoestima. Naquele momento, estava muito feliz comigo mesma, e por isso me senti à vontade para tirar as fotos – conta.

Assustada com a falta de controle sobre as imagens, Fernanda começou a se desesperar. Ficou dias sem comer, chorava sozinha no quarto, e fazia de tudo para evitar que os pais soubessem do ocorrido, já que sua mãe sofre de problemas no coração. Aos poucos, a jovem retomou as atividades cotidianas, mas até hoje vive assombrada pela dimensão que a simples brincadeira tomou.

Conforme um levantamento realizado pela ONG Safernet Brasil, entidade que monitora crimes e violações dos direitos humanos na internet, em parceria com a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público (MP), e divulgado em abril deste ano, o número de vítimas do compartilhamento indevido de fotos íntimas mais que dobrou nos últimos dois anos no país.

O estudo apontou que, de 2012 a fevereiro de 2014, 170 pessoas procuraram a organização por telefone ou e-mail para pedir auxílio por terem a intimidade exposta indevidamente na web.

Foram 48 casos em 2012 contra 101 em 2013. E, nos dois primeiros meses deste ano, já foram feitos mais 21 atendimentos. Tiago Tavares, diretor presidente da Safernet, afirma que os dados sinalizam uma tendência do crescimento exponencial desse tipo de situação no Brasil, e pode ser maior, já que a grande maioria não chega ao conhecimento dos órgãos responsáveis.

Mais à vontade para se expor

Os adolescentes do século 21, da geração que ficou conhecida como Millenials, informam-se pelo Google, começam e terminam namoros pela tela do celular e entendem o mundo virtual como uma extensão de si. Neste universo, a descoberta da sexualidade também é, muitas vezes, permeada pela tecnologia.

Conforme o psiquiatra da Infância e Adolescência Daniel Spritzer, fundador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat), pesquisas indicam que entre 20% a 30% dos jovens já mandaram ou receberam fotos íntimas de amigos ou desconhecidos.

Para o especialista, além da facilidade em produzir e compartilhar imagens de si, os adolescentes de hoje cresceram em um mundo onde a nudez é mais acessível desde a infância, o que os deixa mais “à vontade” para expor sua intimidade, mas também mais suscetíveis aos riscos desse comportamento:

– Na sociedade atual, existem muitos fatores que contribuem com essas práticas. O acesso à pornografia online exerce um papel na normatização da nudez. O conceito do que é pornográfico sempre muda ao longo do tempo.

O psiquiatra indica que, apesar deste comportamento ser entendido como um aspecto da sexualidade do adolescente, não pode ser banalizado, muito menos entendido como algo livre de consequências negativas:

– Todo adolescente é curioso sobre si mesmo e sobre o corpo do outro, é a fase do despertar corporal e das descobertas.

A sexualização e a socialização são interdependentes durante o período da adolescência, quando se passa por desejos, buscas, dúvidas, vacilos, medos, intimidades, incertezas e muitas encruzilhadas e riscos.

A facilidade atual de transmitir mensagens e fotos num clique ou num deslizar da tela de um smartphone podem ser “uma viagem sem volta” – alerta a pediatra Evelyn Eisenstein, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e organizadora do livro Vivendo Esse Mundo Digital.

Jovens pensam ter controle

A falsa noção de controle sobre o que é compartilhado nas redes é, para a psicanalista Maria Alves de Toledo Bruns, líder do Grupo de Pesquisa SexualidadeVida USP-CNPq, um dos principais problemas que as novas gerações enfrentam.

Aplicativos como o Snapchat, que destrói imagens alguns segundos depois de a foto ser tirada, e o Facebook, que permite conversas privadas, dão aos adolescentes uma ideia de controle. A distância entre os jovens e a tela do dispositivo relativizam o risco do perigo.

– O que preocupa é que a sociedade não educa as crianças e os adolescentes sobre as dimensões do que circula na internet, não explica a atemporalidade da rede e a extensão que uma simples imagem pode tomar – comenta a pediatra Evelyn Eisenstein.

No segundo semestre do ano passado, pelo menos duas adolescentes se suicidaram no Brasil depois que fotos sensuais delas vazaram na internet – uma delas em Veranópolis, na serra gaúcha.

Conforme o psiquiatra Daniel Spritzer, conversar com os adolescentes e explicar a eles os perigos da internet pode ajudá-los a se preservar e não cair nas tentações da rede.

Fique seguro

- Coloque uma senha em seu computador ou celular/smartphone só para o seu uso e login próprio.

- Jamais se deixe levar por pressões para produzir ou publicar imagens sensuais na internet.

- Não há nada de errado em falar e discutir sobre sexualidade. O erro é não se proteger e não se informar sobre o tema.

- Esteja sempre em alerta, não adicione pessoas que você não conhece e suspeite de e-mails desconhecidos.

Em casa

- Converse com seu filho sobre o uso seguro e saudável da internet.

- Limites existem e devem ser respeitados, inclusive o tempo de utilização do computador ou participação em redes sociais.

- O adulto é um modelo de referência para o filho ou aluno. Dê o exemplo: saiba o momento correto de usar o computador, o tablet ou o smartphone.

- Informe o jovem que, uma vez que a foto ou texto está online, o controle sobre estes é perdido completamente.

- Denuncie qualquer suspeita de exploração ou violência sexual online nos órgãos responsáveis, tanto pelo telefone Disque Denúncia 100 ou pelo endereço denuncia. Org. Br

- Ainda que não exista uma lei específica para punir quem divulga imagens íntimas sem o consentimento do terceiro, quem espalha esse tipo de conteúdo pode responder pelos seguintes delitos: difamação e injuria, violência psicológica, crime digital e pornografia infantil.

Publicado por Fernanda F.

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