SECU5_1LIFOT-G_WEB
Apesar dos assassinatos de jornalistas, da impunidade advinda de processos intermináveis e inconclusos, das tentativas de controle e desmoralização por parte dos governantes e políticos e de decisões obscurantistas via parte do Judiciário, o “exercício pleno do jornalismo crítico” não está em risco no Brasil. Esse é o entendimento do jornalista Marcelo Beraba, amparado por uma carreira na qual a luta incansável na defesa da liberdade de imprensa se mistura a honrarias aqui e lá fora, resultado de grandes trabalhos nos principais jornais do País.

Nesta entrevista, Beraba, atualmente diretor do Grupo Estado no Rio de Janeiro, avalia a cobertura dos protestos que começaram no ano passado e projeta o papel da imprensa na abordagem das manifestações durante as eleições deste ano. Dentro da programação de aniversário do Jornal do Tocantins, Marcelo Beraba ministrará hoje oficina para os profissionais do Grupo Jaime Câmara, ao lado de Elvira Lobato, Prêmio Esso de Jornalismo e por 19 anos integrante do núcleo de repórteres especiais da Folha de S. Paulo. Já o advogado e colunista do JTo e CBN Tocantins Dídimo Heleno abordará a relação jornalismo e direito em sua oficina. 


Relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas revela que pelo menos 12 foram mortos no Brasil desde 2011. Mostra ainda que o País é o 11º onde há mais assassinatos de jornalistas. Esses números são episódicos ou a liberdade de imprensa está realmente ameaçada?
Os assassinatos impunes de jornalistas são de fato ameaças à liberdade de imprensa. Não diria que exista uma perseguição sistemática contra jornalistas no Brasil – como ocorre nos últimos anos no México, onde nossos colegas são caçados pelos cartéis do narcotráfico -, mas de qualquer modo são números assustadores. Em geral, no nosso caso, são assassinatos encomendados pelo poder local, inconformado com reportagens que revelam seus esquemas criminosos. Em geral, as investigações destes crimes e os processos na Justiça são lentos e inconclusos. A certeza da impunidade alimenta a barbárie.

Apesar de o STF ter adotado entendimentos favoráveis à liberdade de imprensa nos últimos anos, o mesmo relatório aponta a censura do Judiciário como entrave ao trabalho da imprensa. Seriam as instâncias inferiores da Justiça as responsáveis pelo obscurantismo?
A censura prévia com origem no Judiciário é um problema sério, e não só para a imprensa. É inconstitucional e uma afronta ao Estado Democrático. Há uma incompreensão de parte do Judiciário em relação à liberdade de expressão. O impedimento de publicação de informações priva a sociedade do seu direito de se manter esclarecida. O Estadão, onde trabalho, está desde meados de 2009 proibido de publicar informações sobre uma investigação da Polícia Federal que envolve a família Sarney. É uma decisão abusiva, resquício do regime autoritário que nos subjugou durante duas décadas. E é uma medida inócua, porque não há como represar informações relevantes e de interesse público. Mais cedo do que tarde essas informações acabam públicas. Mas o estrago em termos de amadurecimento da democracia já está perpetrado. O mesmo raciocínio vale para a lei obscurantista que proíbe a edição de biografias sem autorização do biografado.

Uma das críticas feitas ao governo do PT (Lula/Dilma) são suas ações para controlar a imprensa. Dá para traçar um paralelo entre este governo e o do PSDB, nos oito anos do presidente FHC, em relação a esse tema?
Prefiro não traçar um paralelo. Os governos em geral têm a pretensão de controlar a imprensa, torná-la dócil e manipulável. O jornalismo independente, crítico, que assume o compromisso de vigilância e de cobrança dos poderes políticos e econômicos, é rotulado, por má fé desses governos, como de oposição. Há campanhas para tentar desmoralizá-lo. Semanalmente vemos políticos pegos em flagrante tentando desqualificar o trabalho jornalístico. No Brasil, essas tentativas de controle e de desmoralização da imprensa não são uma novidade nem estão restritas ao Poder Executivo.

Na Venezuela e Argentina, o jornalismo independente foi duramente atacado pelos seus governantes, com a colaboração dos seus respectivos Judiciários. Esse cenário pode irradiar-se pela América Latina. O jornalismo independente no Brasil corre risco?
Não acho que o que acontece hoje na Venezuela, na Argentina e no Equador se irradie por toda a América Latina. Não é o que acontece neste momento no Chile, no Uruguai, no Peru ou na Colômbia, por exemplo. Nem acho que seja o caso do Brasil. Temos problemas sérios como os que já apontamos, mas não vejo risco para o exercício pleno do jornalismo crítico no Brasil. Os problemas que enfrentamos são os de sempre, mas bem distintos dos que vivem jornalistas, empresas jornalísticas e a sociedade na Venezuela, na Argentina e no Equador.

No Brasil, a Lei de Acesso à Informação foi uma vitória, mas a cultura do segredo ainda é dominante no poder público. Essa será mais uma lei capenga no Brasil?
A aprovação da Lei de Acesso À Informação foi realmente uma grande conquista da sociedade, um passo importantíssimo para se vencer esta cultura do segredo, da opacidade, do uso privado de informações públicas. Não é a melhor lei, mas é a lei possível para este nosso estágio de cidadania. O que percebemos neste curto período de sua vigência é que muitos setores do poder público relutam em aceitá-la e continuam a criar obstáculos e artifícios para dificultar o acesso a informações de interesse público. Essa resistência está mais localizada nos poderes locais, como prefeituras e secretarias. No Rio, temos dificuldades de obter informações relevantes que deveriam estar disponíveis e facilmente acessíveis. E esse não é um problema só da imprensa. Essa lei não foi criada para os jornalistas, mas para os cidadãos, que não têm os mesmos recursos para obter essas informações e continua tratado como meio cidadão.

Qual a sua avaliação sobre a cobertura da administração pública, dos protestos nas ruas, e qual a sua perspectiva em relação à cobertura das eleições deste ano?
A imprensa teve de se esforçar para tentar entender as manifestações que explodiram no país desde junho do ano passado. Elas nos surpreenderam, mas não só a nós. Os governos, os partidos políticos, os movimentos sociais organizados, o mundo acadêmico – fomos todos surpreendidos pelo ímpeto e pela extensão das manifestações. Não estou seguro de que mesmo agora tenhamos entendido. As pesquisas de opinião mostram uma sociedade insatisfeita, que quer mudanças. Mas não está claro que mudanças. O nosso papel é o de acompanhar de perto esse momento político e social rico e tentar entender, com a ajuda de especialistas qualificados, o que estas vozes desencontradas estão tentando dizer. Alguns temas estão claramente colocados, como os péssimos serviços de saúde, a baixa qualidade da educação e dos meios de transportes coletivos urbanos, a violência e os desvios de recursos públicos. Cabe a nós da imprensa continuar investigando essas mazelas e expondo-as para que a sociedade tenha condições de avaliar e decidir o que fazer. O período eleitoral é um ótimo momento para a discussão desses temas. E os meios de comunicação devem ter o compromisso de não só expor os problemas e a indignação das pessoas, mas de abrigar esses debates e cobrar posicionamento dos candidatos.

Como fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e professor de Pós-Graduação em Jornalismo Investigativo, em que o jornalismo ganhou e em que perdeu com o advento das mídias digitais com suas redes sociais, blogs, microblogs...
Vivemos um período de desafios e de grandes oportunidades para o jornalismo. Os novos meios digitais e seus recursos ainda pouco explorados estão fazendo uma revolução, tanto no modelo de negócio como na oferta de informações. Mas o que a nossa experiência mostra até este momento é que as bases do jornalismo de qualidade continuam as mesmas – independentemente de onde será editado. Precisão, credibilidade, prestação de serviço público, profundidade, rapidez, entretenimento, vigilância, competência, inovação – esses atributos estão na gênese do jornalismo de qualidade, continuam presentes, e deve ser um compromisso nosso, como jornalistas, mantê-los em qualquer meio.

 

Perfil

É diretor do Grupo Estado (Estadão, Agência Estado, estadão.com.br e rádios Eldorado e Estadão) no Rio de Janeiro. Trabalhou em O Globo, no Jornal do Brasil, na TV Globo e na Folha de S. Paulo, onde exerceu, entre outras, a função de ombudsman. É um dos fundadores e foi o primeiro presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).