19 maio 2014

Opinião: Arrastões e Arrastados: faces de um Estado que agoniza

Fonte: AF Notícias - Da Redação - 19/05/14 08h50

Divulgação
Comércio vive atrás das grades em Araguaína
Marcos Reis

Que estamos à beira de uma guerra civil, disto ninguém me convence o contrário. Resta-nos, como vítimas preconcebidas, viver o dia, minuto a minuto, como se o próximo passo do ponteiro do relógio viesse a nos apresentar o ponto final da trajetória de vida, por motivos não muito normais.

Não raro, vemos a fragilidade do Estado, ao convencer-se tacitamente de suas evidentes derrotas na guerra contra o crime, sobretudo quando não consegue prevenir com eficiência, as velhas e já sacramentadas causas disto que considero “o colapso social”, a saber, a droga e seus derivados criminais, bem como sendo vacilante na aplicação das medidas punitivas para os “figurões” e, todavia, sendo implacável contra a massa desfavorecida.

O estado-paralelo criado pelo crime organizado demonstra-se mais eficiente e sedutor que o Estado oficial, eis que oferece com maior rapidez e sem burocracia, acesso à desejados serviços e objetos de status, enquanto a administração pública agoniza, afogada em improbidades, corrupção e desmandos. Vemos uma articulada e aparentemente resistente organização, acéfala, mas muito bem harmoniosa, comandando com excelência, o espalhamento do terror e da criminalidade, contaminando inclusive as corporações que, de onde esperamos, deveriam proteger o cidadão de bem: o crime organizado. Eis o fracasso do Estado!

O resultado deste trinômio “violência x insegurança x impunidade” gera ainda mais pânico e descontrole, colocando os cidadãos em uma verdadeira arena romana, onde a morte pode vir de qualquer lado. As últimas 72 horas em Araguaína representaram exatamente este descontrole e pânico aguçado. Uma notícia espalhava, via redes sociais, que estaria havendo um “arrastão” criminoso na cidade. Diversas lojas teriam sido assaltadas, dentre elas, grandes empresas, além de assassinatos, furtos e saques. Alguns chegaram a anunciar os próximos lugares que eventualmente seriam vitimados.

Não se sabe exatamente de onde partiu, mas o pânico que tomou conta da cidade em virtude desta informação, repercutiu nos dias seguintes, ao que escolas, empresas, bares e restaurantes, amedrontados com a virtual ameaça fecharam suas portas, encerraram seus expedientes mais cedo e a população recolheu-se antes do que o de costume. Qual seria a justificativa mais coerente para explicar esse fato? Será que a amplitude do alcance das redes sociais, aliada à já preexistente angústia popular diante do crime, foram o estopim desse torpor social? Até que ponto podemos confiar no equilíbrio do Estado, diante do combate à criminalidade?

Uma breve análise, sem tantas formalidades acadêmicas, das ocorrências policiais dos últimos dias na região metropolitana de Araguaína nos demonstram, sem alarde e com frieza, que está mais fácil delinquir e bem mais difícil ser punido. Destarte o esforço reconhecido das forças de segurança pública, há uma dolosa situação de limitação para o poder punitivo, sobretudo por estas instituições responsáveis. Desde a edição da Súmula Vinculante nº 11 do STF, que, de um modo geral, reduziu ao extremo a possibilidade do uso de algemas nas prisões e ainda o fôlego que instituições irresponsáveis de defesas dos direitos humanos receberam, não se vê mais a ação repressora do Estado, punindo de fato e exemplificando. Em síntese: o Estado premia ao delinquente e pune ao disciplinador.

Isto é o resultado da entrega irresponsável do Poder à ideólogos românticos, sem escrúpulos ou qualquer interesse no coletivo. É a política do “quanto-pior-melhor”, atraente aos olhos daqueles que se alimentam da miséria pública e se valem de medidas paliativas para seus intentos ditatoriais. É a conclusão da complexa equação que envolve a prática do assistencialismo hipócrita e barato e a aceitação subserviente do povo, em sua zona de conforto e que instabiliza a sociedade, desrespeita as garantias constitucionais e domestica a massa.

Por sorte, a notícia do arrastão de Araguaína não passou de um blefe de muito mal gosto, intentado por algum desocupado sem coerência. Nesta brincadeira nefasta, a cidade parou, os homens pararam, na expectativa do pior. Ledo engano! Esta “pororoca” do mal já está passando e arrastando a tudo e a todos. Resta-nos saber escolher em qual porto seguro iremos atracar, se é que pelo menos porto teremos.

*Marcos Reis é advogado criminalista, escritor, historiador e professor de Direito Penal e Constitucional. É natural de Belém e reside em Araguaína, onde exerce a advocacia e ministra aulas jurídicas. Pertence à Academia Paraense de Letras e à Academia de Letras de Araguaína e Norte Tocantinense – ACALANTO.

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