Por - iG São Paulo | - Atualizada às
Revistas são realizadas no intervalo de todas as atividades e até mesmo durante a madrugada; Defensoria Pública vê abuso e governo diz que prática visa a segurança e é necessária
Adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em uma unidades da Fundação Casa, antiga Febem, são submetidos a até 15 revistas íntimas por dia. A informação é da Defensoria Publica regional do ABC, que promoveu uma audiência pública em fevereiro deste ano para tratar o assunto.
Segundo o defensor público Marcelo Carneiro Novaes, coordenador regional e de execução penal do ABCDM, que inclui unidades nos sete municípios da região, os adolescentes são revistados intimamente a cada deslocamento interno nas unidades. Os procedimentos incluem desnudamento e agachamentos. Segundo ele, os procedimentos são parecidos para todos os 9.800 adolescentes internados nas 148 unidades do Estado.
“Ele acorda e é revistado, vai para o refeitório, quando volta é revistado, vai para o futebol, é revistado, conversa com os técnicos e é revistado. São sete revistas em média por dia, mas há relatos de que chegam até 15 por dia”, diz o defensor.
Segundo dados fornecidos pela Fundação Casa ao defensor, entre janeiro de 2012 e junho de 2013, não houve apreensão de celulares, drogas ou armas de fogo com internos nas cinco unidades do ABC, que juntas têm cerca de 450 internos.
Neste período, durante os procedimentos de revistas pessoais e em ambientes, segundo o documento, foram encontrados três papéis com números de telefone, duas canecas com pó de café, cinco maços de cigarros, dois cigarros soltos, meio cigarro com “substância desconhecida”, casca de banana, pedaço de fio, pente, fio e duas substâncias “aparentando ser maconha”. Ainda de acordo com o documento, parte dos materiais apreendidos foi jogada de fora do presídio. Entre as apreensões, apenas o isqueiro, um cigarro, o pente e a casca de banana foram encontradas com os adolescentes. “O restante foi arremessada de fora das unidades e encontradas em escadas, banheiro e pátio”, diz Novaes.
Veja vídeo de como são realizadas as revistas íntimas de visitantes de detentos:
Ele classifica as revistas como “estupro institucionalizado” e calcula que em um ano de internação, um adolescente passe por mais de 2.500 revistas vexatórias. Ele ainda classifica os procedimentos como ilegal, pois fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição brasileira.
“Não é só inconstituicional, ilegal e imoral, é também despudorado porque ofende a dignidade dos adolescentes e familiares. Mexer com o pudor da pessoa traumatiza qualquer um.”
Segundo Novaes, as revistas não são aplicadas nem mesmo em detentos considerados perigosos nos presídios. “Isso não existe nem no RDD [Regime Disciplinar Diferenciado]. Vê se o Marcola faz revista íntima. Na SAP [Secretaria de Assuntos Penitenciários, do governo do Estado] só faz revista nos detentos, quando eles saem do presídio ou existe alguma denúncia ou ocorrência”, disse se referindo ao traficante Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, principal líder da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Estopim da violência
Sob condição de anonimato, o iG conversou com uma psicóloga que acompanha os adolescentes internos e egressos da Fundação Casa. “Eu entendo que se eles não têm contato com mundo externo não teria motivo de tanta revista. Ou a Fundação duvida da própria equipe ou as sistemáticas revistas são atos para acentuar e marcar o poder [do agente e da instituição], abalar a questão psíquica e emocional do adolescente e deixá-los acuados”, diz ela.
Ainda de acordo com a psicóloga, as sistemáticas “violações de direitos” podem ser estopim para aumento de casos de rebeliões dentro das unidades.
“Eles falam com raiva e mágoa. As revistas, muitas vezes, vêm acompanhadas de violência emocional e palavras de humilhação, como ‘descasca’ [revista sem roupas], pagar canguru [agachamentos], e xingamentos. Isso pode ser um estopim para violência. Quanto menos violações tiver na unidade, menos situações de revolta vão acontecer. Se os adolescentes forem tratados de acordo com a lei, situações de rebelião podem ser até nulas”, diz.
Dalila Figueiredo, presidente da Associação Brasileira de Defesa da Mulher, Infância e da Juventude (Asbrad), ONG que acompanha o cumprimento de medidas socioeducativas, também vê relação entre revistas humilhantes e número de rebeliões.
“São duas situações: as revista dos parentes e a revista de adolescentes dentro das unidades. Os internos relatam até nove revistas em uma única noite. Eles chegam a acordar os meninos para fazer revistas. Eles tiram a roupa e são revistados ou são obrigados a dormir de cueca. Os adolescentes ficam tristes e oprimidos, o que traz a revolta e gera a rebelião”.
Dalila diz ainda que os adolescentes também se revoltam com as revistas as quais parentes são submetidos durante as visitas.
“São situações graves também em relação às mães, às avos e até mesmo crianças pequenas [que visitam os internos]. Um dos adolescentes disse que o ódio cresceu dentro dele porque um agente falou que viu a mãe dele nua em uma revista”, diz Dalila.
Manual de revista
Apesar de serem consideradas ilegais por entidades de direitos humanos, a forma como as revistas de visitantes e internos devem ser feitas estão especificadas no conjunto de regras da Superintendência de Segurança e Disciplina da Fundação Casa, assinada pelo ex-governador tucano Alberto Goldman. Com ilustrações, o manual ensina aos agentes como devem inspecionar boca, cabelo, calçado, pés, e pedir para o visitante ficar nu e realizar agachamentos.
Sobre a revista aos internos, o manual instrui os agentes a realizarem revistas pessoais e de ambientes antes e após todas as atividades que os adolescentes realizam.
Questionada, a Fundação Casa não informou como são realizadas as revistas aos adolescentes e se limitou a dizer que os detalhes sobre a realização de revistas não serão informados “por motivos de segurança”.
A Fundação Casa informou ainda que as “verificações realizadas nos visitantes, adolescentes e funcionários são preventiva visando impedir eventual entrada de objetos ilícitos nos centros socioeducativos da instituição que possam colocar em risco a integridade física de todos”.
Para pedir o fim da prática em todo País, entidades de Direitos Humanos se uniram e lançaram uma campanha nacional pela aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 480/2013, da senadora petista Ana Rita, do Espírito Santo, que prevê o fim da revista vexatória e o uso de scanners e detectores de metal em todos os presídios brasileiros.O argumento das entidades é que o procedimento é anticonstitucional ao atentar contra a dignidade.
A prática já é adotada em unidades de Goiás, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Paraíba.
Além disso, a ONG Conectas Direitos Humanos entrou com uma ação coletiva por danos morais contra o governo do Estado de São Paulo. Segundo a Conectas, a ação se baseia em cartas contendo denúncias de revistas vexatórias no Centro de Detenção Provisória (CDP), de Guarulhos, na Grande São Paulo. A ação pede o pagamento de R$ 1 milhão, que seria destinado a um fundo para promover políticas públicas no sistema carcerário.
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