Por - Por David Shalom | - Atualizada às
Aplicativos com o objetivo de facilitar denúncias de vítimas terão canal direto ágil com as autoridades competentes
Aliando justiça à tecnologia, duas iniciativas inéditas no Brasil vão ajudar mulheres vítimas de violência sexual e doméstica a se protegerem e denunciarem seus agressores. Na quinta-feira (22), foi anunciado o lançamento do aplicativo Clique 180, que permite o acesso direto à Central de Atendimento à Mulher tanto por parte de vítimas quanto de testemunhas desse tipo de agressão. A novidade foi desenvolvida pela ONU Mulheres (entidade das Nações Unidas) em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
Além do Clique 180, dentro de seis meses deve estar disponível no País o primeiro piloto do Promotoras Legais Populares 2.0, parceria entre o Geledés Instituto da Mulher Negra e a Themis Gênero Justiça e Direitos Humanos, que venceu a categoria voto popular da primeira edição nacional do Desafio Impacto Social Google. O objetivo é o mesmo, mas com foco inicialmente mais voltado ao combate à violência doméstica.
"Isso é muito vantajoso, porque, além de darem a oportunidade de fazer denúncias rápidas após a agressão, os dispositivos também podem ajudar a mulher no momento em que ela está sendo ameaçada. Acaba sendo uma medida protetiva preventiva, que pode impedir o agressor de se aproximar da vítima", analisa em entrevista ao iG a advogada Luiza Nagib Eluf, especialista em casos do gênero.
Além de dar acesso à central da SPM, o Clique 180 traz diversos dados para ajudar a mulher a evitar situações de violência, como as ocorridas em vagões de metrô das grandes cidades brasileiras. Com conteúdos da Lei Maria da Penha e uma ferramenta que ajuda a identificar lugares das cidades onde há maior risco de sofrer assédios, o dispositivo conta ainda com uma série de informações úteis a respeito dos tipos de abusos aos quais o sexo feminino pode ser submetido, dados de localização dos serviços das redes de atendimento e até sugestões de caminhos para localizá-las. O dispositivo pode ser baixado na Apple Store e no Google Play.
Um pouco mais complexo, o PLP 2.0 é baseado em um projeto antigo, o Promotoras Legais Populares, criado ainda na década de 1990 pela Themis com o objetivo de capacitar lideranças comunitárias nos direitos fundamentais das mulheres em questões como violência, discriminação no mercado de trabalho, discriminação de gênero e raça, noções da Constituição Brasileira, entre outros. As formandas passam a fazer parte da rede de cidadãs que auxilia vítimas desde o primeiro contato, para explicar as possibilidades de defesa, até na busca por medidas legais para punir o agressor.
Há oito anos, o Geledés foi capacitado pela Themis e se juntou ao time de organizações que oferecem o curso, gratuito, ministrado ao longo de oito meses em bairros da periferia como São Mateus, Cidade Tiradentes e, atualmente, Vila Brasilândia. Em formato de palestras e oficinas comandadas por especialistas de cada um dos temas abordados, as aulas são normalmente realizadas aos sábados e formam de 30 a 40 mulheres por ano. O sucesso é tão grande que hoje existe lista de espera para se inscrever.
"Temos Promotoras Legais espalhadas, muitas dentro de equipamentos públicos, como hospitais e defensorias, acolhendo essas vítimas. É uma rede ampla, presente na maioria dos Estados. Queremos com o aplicativo agrupar os diferentes atores interessados em torno dessa luta para, assim, maximizar a prontidão de atendimento às mulheres vítimas da violência", diz Carneiro.
Ainda não é possível conhecer todos os detalhes do projeto, mas a ideia básica é que a usuária cadastre pessoas diretas de sua confiança e tenha um cadastro já do próprio aplicativo com contatos com PLPs, autoridades e forças de segurança. Outra das características que já pode ser adiantada é a criação de um dispositivo acionado automaticamente quando uma vibração diferente do uso habitual ocorra no aparelho, dando à usuária apenas alguns segundos para desativá-la. Se não agir, as redes de proteção serão acionadas.
"Não gostamos de usar esse termo, mas queremos que seja mesmo uma espécie de botão de pânico. Sem desativá-lo, as pessoas, promotoras e instituições cadastradas receberão o chamado, podendo localizar a vítima por meio de GPS", explica Carneiro.
Com edições já realizadas na Índia e na Inglaterra, o Desafio Impacto Social Google premiou cada um dos projetos vencedores em decisão anunciada no último dia 8 de maio, em São Paulo. Foram levados em consideração quatro critérios básicos: impacto na comunidade, inovação, viabilidade e escalabilidade. Das 751 propostas inscritas, apenas dez chegaram à final, sendo quatro apontadas como vencedoras do prêmio de R$ 1 milhão. A única a conquistar a categoria voto popular foi a Promotoras Legais Populares 2.0.
Em um concurso com quase meio milhão de votos de internautas, o balanço é positivo por vir pouco mais de um mês depois da divulgação de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segundo a qual um quarto dos brasileiros acredita que a mulher merece ser agredida dependendo de suas vestimentas.
Levantamento divulgado no ano passado pelo mesmo instituto estima que uma mulher é morta vítima da violência a cada uma hora e meia no Brasil, uma média de 5.664 mortes anuais. Segundo o DataSenado, do Senado Federal, mais de 13 milhões de brasileiras já sofreram algum tipo de agressão, sendo que 31% delas continuam convivendo com o agressor após o ato. Atualmente, o País figura na sétima posição entre os que mais matam mulheres no mundo.
O medo e a vergonha, consequências da violência, muitas vezes impedem as vítimas de denunciarem os agressores, barreiras das mais difíceis de serem quebradas pelas PLPs, que investem no diálogo com a mulher atendida. O fato de muitas vítimas não registrarem Boletins de Ocorrência torna impossível saber se o número de agressões aumentou nos últimos anos, mas é público e notório que ao menos as denúncias se tornaram mais comuns após instituição da Lei Maria da Penha, em 2007.
"Também existe o problema de a mulher precisar entrar numa fila e não saber sequer se vai ser atendida", lembra Eluf. "A delegacia da mulher fecha aos fins de semana, o atendimento é lento. Não dá para ficar esperando seis, oito horas ou mesmo dois dias inteiros para fazer a denúncia."
Neste sentido, o Clique 180 e o Promotoras Legais Populares 2.0 podem ajudar a criar uma cultura totalmente nova em relação à violência. "O maior mérito do prêmio acaba sendo aumentar a visibilidade sobre esse esse problema e sensibilizar a sociedade", comemora Carneiro, que torce para, em breve, ver seu aplicativo nas mãos de todas as brasileiras. "Espero que possamos reverter de vez os chocantes padrões desta realidade brasileira."
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