20 maio 2014

Políticos apostam em derrota de Sarney no Amapá e Maranhão para pôr fim ao clã

Por Vasconcelo Quadros - iG São Paulo 

Senador, que tem seis décadas na vida pública e meio século de parceria com todos os governos, deve se candidatar de novo, porém seu grupo enfrenta dificuldades nos dois Estados

Políticos do Maranhão, Amapá e dirigentes nacionais do PSB e PSDB apostam nas eleições de outubro para interromper o ciclo de influência do senador José Sarney (PMDB-AP), a mais felpuda e longeva raposa do Brasil republicano, com seis décadas na vida pública e meio século de parceria com quase todos os governos (a exceção foi o breve período de Fernando Collor) instalados depois do golpe de 1964.
É nos Estados onde Sarney erigiu um grupo político e um império econômico de raras proporções que moram seus principais adversários. Flávio Dino (PC do B), no Maranhão, e Dora Nascimento (PT), vice-governadora do Amapá, fazem parte de uma movimentação que une adversários de peso na tentativa de desgastar a imagem de Sarney para tirá-lo do cenário político.
“Será um prazer ajudar a colocar o senador Sarney num pijama”, diz o senador João Alberto Capiberibe (PSB-AP), o Capi, que assume a contenda como se dela dependesse o aperfeiçoamento do processo democrático. “Será o encerramento de um projeto político clientelista e patrimonialista que não cabe mais no Brasil. Sarney é o atraso”, cutuca.
Veja a trajetória do senador José Sarney em imagens
A carreira política de Sarney tem início em 1954, quando se candidata a deputado federal. Foto: Arquivo pessoal
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Entre os adversários do governo, a intenção de jogar luzes sobre Sarney durante a campanha é uma estratégia eleitoral. Os presidenciáveis Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Eduardo Campos (PSB-PE), por exemplo, há poucos dias pediram aos eleitores a chance de colocar o PMDB e Sarney na oposição.
Capi, que já foi governador do Amapá, atribui a influência do ex-presidente à cassação de seu mandado, e da mulher, Janete, em 2006, eleitos à época, respectivamente, para o Senado e Câmara. “Fomos acusados de comprar dois votos por R$ 26,00, pagos em duas prestações. Nossa cassação teve influência direta do Sarney”, lembra Capi.
No Amapá, Capi orientou seu grupo, representado pelo governador Camilo Capiberibe, seu filho, a dar apoio incondicional à candidatura de Dora Nascimento para a única vaga em disputa para o Senado. Dora voltou do encontro nacional do PT, em São Paulo, há duas semanas, animada por não ter recebido um veto explícito do presidente do partido, Rui Falcão, e mandou seus assessores tocar a campanha.
“Ela tem todas as condições para vencer e só não será nossa candidata ao Senado se o PT não quiser”, avisa Capi. O problema de Dora leva o nome de Luiz Inácio Lula da Silva, o “comandante geral” da campanha petista que, ao priorizar a reeleição de Dilma – ninguém duvida – passará como um trator por cima das questões regionais.
Dora ouviu de Falcão que o comando nacional quer o apoio do PT do Amapá a Sarney. Mas como é ainda pré-campanha e para evitar a antecipação de uma crise anunciada, Falcão não deu ao desejo tom de imposição. Crítico do fisiologismo do PMDB governista, do qual Sarney é um dos principais representantes, o presidente petista está deixando a corda esticar.
Ciente das dificuldades apontadas pelas pesquisas, Sarney fez na semana passada uma parada obrigatória em Macapá, a capital do estado por ele criado quando foi presidente da República e para onde raramente vai, embora há 24 anos o Amapá venha lhe cedendo a cadeira do Senado que o mantém no centro do poder.
Sarney ainda não assumiu a candidatura, mas envolveu-se em intensa costura de bastidores para tentar reverter o favoritismo do candidato do DEM, Davi Alcolumbre, e brecar o crescimento de Dora, que aparece em quarto lugar. Com o ex-senador Gilvam Borges (PMDB), o terceiro nas pesquisas, seu fiel escudeiro, Sarney nem se preocupa. Confia na hipótese de que ele abriria mão da disputa a seu favor.
Nas contas do PSB, os indicativos políticos conspiram contra Sarney. Se insistir na candidatura, embora seja o responsável pela indicação de todos os ocupantes de cargos federais no estado, ele terá a máquina estadual totalmente contra. Caso Dora seja obrigada a retirar a candidatura, o PT local dificilmente apoiaria Sarney porque ela se manteria na disputa pela reeleição a vice-governadora.
“Em 2006, o Sarney teve o apoio do governo, de 23 dos 24 deputados estaduais, de todos os deputados federais, de 132 dos 140 prefeitos e de todos os vereadores. Ainda assim, teve de despejar R$ 20 milhões no estado. O cenário agora é oposto: o Amapá quer se livrar de Sarney e, aos 84 anos ele sabe dos riscos que enfrentaria”, diz Capi, para quem o fim do mais longo ciclo de hegemonia na história da República pode se dar por uma simples desistência de Sarney.
Cacoete
Procurado pelo iG por meio de sua assessoria de imprensa, Sarney informou apenas que está avaliando o cenário. Dentro de 30 dias deve anunciar sua decisão. Os sinais de que pretende disputar apareceram no gesto de um pupilo, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que abriu mão da relatoria da PEC 111 (que incorpora aos quadros da União servidores demitidos dos antigos territórios do Amapá e Roraima), para que Sarney assumisse a paternidade da medida e, assim, possa fazer média com os cerca de 6 mil servidores que podem ser beneficiados.
Quem conhece Sarney acha que o instinto de sobrevivência o empurrará para a disputa, já quem sem um mandato, com seu grupo se esfacelando no Maranhão e problemas acumulados pela família na Justiça, ficaria desconfortável como opositor. Há 50 anos na “janela” do poder, Sarney adquiriu cacoetes de cacique por exercer com raro apetite o controle das máquinas: é o responsável direto ou indireto pelos principais cargos de cinco ministérios (Minas e Energia, Previdência, Agricultura, Aviação Civil e Turismo), indicou mais de 30 cargos federais no Amapá e no Maranhão, e domina a Esplanada, em Brasília, com dezenas de apaniguados em postos-chave. Minas e Energia ele controla de “porteira fechada”.
“O Sarney nem sabe o que é ser de oposição”, alfineta o ex-governador do Maranhão, José Reinaldo Tavares, ex-aliado e hoje desafeto instalado no PSB. O poder de Sarney é tão visível que, em 2011, o Palácio do Planalto rendeu-se a seu veto a indicação do delegado Roberto Troncon para a direção da Polícia Federal. Hoje superintendente da PF em São Paulo, Troncon era responsável pela direção executiva do DPF, órgão que havia cacifado as investigações que encontraram pegadas de Fernando Sarney, o filho empresário do senador, em irregularidades nas obras da Ferrovia Norte-Sul no Maranhão.
É impossível dimensionar o império econômico da família Sarney porque ele se fraciona em dezenas de integrantes. O senador declarou à Justiça Eleitoral em 2006, ser dono de bens e valores que totalizam R$ 4.263.263,45, cifra modesta de uma contabilidade em que nem consta a mansão onde ele mora, no Lago Sul de Brasília, avaliada, por baixo, em R$ 4 milhões.
No Maranhão, sede do Grupo Mirante, que inclui a afiliada da TV Globo, repetidoras, emissora de rádio e jornais, os bens da família chegam à casa dos bilhões, resultado de uma vida inteira dedicada aos negócios impulsionados pela influência política do chefe do clã. “O grupo político de Sarney acaba em 2014”, avalia José Reinaldo, empenhadíssimo na derrocada do clã.
Sem candidato
Lá, o ex-secretário de Infraestrutura, Luiz Fernando, que estava havia um ano e meio em campanha e representaria o grupo, foi afastado da disputa pela governadora Roseana Sarney para abrir espaço para Edison Lobão Filho, o Edinho, filho do ministro das Minas e Energia, o senador Edson Lobão Filho. Edinho nunca disputou uma eleição e só se tornou senador na vaga do pai, gentilmente aberta pelo governo.
José Reinaldo acha que sem um candidato a cargo executivo e diante do amplo favoritismo de Flávio Dino, o governo no Maranhão começa a escapar das mãos do grupo, abrindo caminho para encerramento do ciclo de hegemonia do cacique que acumulou mandatos de deputado, governador, presidente da República e senador. Com 36 anos de parlamento, é o mais antigo congressista da história.
“Quem começa a ocupar o espaço é o Lobão. A família Sarney não terá candidato no Maranhão. Estamos assistindo um desmoronamento de um império por dentro”, diz José Reinaldo, para quem as chances de as oposições – todas elas contra Sarney – triunfarem no Maranhão são matemáticas. Segundo as pesquisas, Dino, que tem o PSDB de Aécio Neves e o PSB de Eduardo Campos na coligação, conta com mais de 50% de vantagem sobre Edinho Lobão e os demais.
A possível eleição de um candidato comunista no Maranhão tem também o sabor de uma vingança histórica: Dino pertence ao mesmo partido dos militantes massacrados na Guerrilha do Araguaia na década de 1970, conflito ocorrido na confluência do Maranhão com o Pará e Tocantins iniciado numa época em que Sarney representava na região, como cacique da Arena e, depois, do PDS, um dos principais aliados do regime militar.
“Acho cedo para se falar em encerramento do ciclo. Não é a primeira vez que Sarney enfrenta uma eleição difícil. Em 2006, com a vitória de Jackson Lago (PDT), falaram a mesma coisa e ele ressurgiu forte, com o apoio do Lula”, lembra o professor de história política da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Wagner Cabral. “A verdade é que o Sarney nunca teve uma eleição fácil. E não tenho dúvidas de que Dilma e Lula subirão no palanque de Edinho para apoiar Sarney”, afirma.
Desgaste no clã
Segundo Cabral, a oposição ganhou musculatura porque a imagem da governadora Roseana Sarney se desgastou em função de promessas de campanha não cumpridas – como a instalação de uma refinaria da Petrobras no município de Bacabeira – e a repercussão da mortandade no Presídio de Pedrinhas, no final do ano passado. A crise penitenciária, segundo ele, escancarou a ausência de política de segurança pública e expôs os péssimos números do governo maranhense na área social.
O desgaste, juntado com problemas de saúde, teriam levado a governadora a desistir de disputar o Senado, abrindo mão inclusive de indicar um candidato do grupo ao governo. Assim, abriu espaço para o crescimento de outros caciques peemedebistas, como Lobão e o senador João Alberto Souza.
Um dos dados que reforça a parceria de Lula com Sarney, mas ao mesmo tempo revela a tragédia social do Maranhão, estado com Índice de Desenvolvimento Humano entre os mais baixos do país, está no programa Bolsa Família: 54% da população recebem o benefício. “Esse é o grande libelo acusatório contra Sarney”, diz o ex-governador José Reinaldo Tavares.
As controvérsias ficam por conta dos números eleitorais. Em 2010, um sexto dos 12 milhões de votos que garantiram a vitória de Dilma no segundo turno saíram do Maranhão graças, em boa parte, a influência de Sarney, que converteu em votos os benefícios do Bolsa Família.
Os problemas colocaram Sarney num labirinto cujo caminho, mais uma vez, só poderá ser iluminado pela interferência de Lula, que já deu seu veredito no Maranhão. O presidente do PT, Raimundo Monteiro anunciou oficialmente o apoio a Edinho Lobão, mas a maior parte do partido, algo em torno de 70%, se rebelou e, ainda discretamente, está ao lado de Flávio Dino. “No Amapá o Lula tentará fazer a mesma coisa. Eu até torço para que o Sarney saia candidato ao Senado. Será melhor derrotá-lo nas urnas”, diz o senador João Capiberibe.
O único nome da família Sarney que certamente disputará as eleições em 2014 é o deputado José Sarney Filho, o Zequinha, que sempre se manteve longe do PMDB governista e é dirigente nacional do PV. É o filho “rebelde”, que representa a ala verde, sempre em choque com os interesses do agronegócio defendido pelo pai.

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