Defensores dos correntistas rebatem a catástrofe financeira anunciada pelo BC e o governo se o Supremo decidir pela correção dos planos econômicos na quarta-feira
Taís Laporta e Vitor Sorano - iG São Paulo | 25/11/2013 05:00:00
A longa batalha jurídica entre bancos e poupadores pode chegar ao fim na próxima quarta-feira (27). Em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve bater o martelo sobre a revisão das correções da poupança pelos planos econômicos Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2. Mas há risco de o julgamento ser adiado por pressão do governo e do Banco Central (BC), que pedem mais tempo para evitar o que chamam de "catástrofe" aos bancos.
A decisão vai afetar um milhão de ações individuais e mais de mil ações coletivas – e também o futuro de investidores prejudicados há mais de 20 anos e que não foram à Justiça.
Até agora, todas as ações individuais dos planos Verão e Bresser foram favoráveis aos poupadores. Embora o entendimento jurídico penda a favor dos correntistas, os bancos e o governo anunciaram um cenário apocalíptico para a economia do País caso o Supremo dê razão aos correntistas.
Cálculos do BC e do Ministério da Fazenda dão conta de que as perdas aos bancos ficarão entre R$ 105 e R$ 180 bilhões. Nesta sexta-feira (22), o procurador-geral do BC, Isaac Ferreira, disse em entrevista coletiva que uma eventual decisão a favor dos poupadores provocaria uma retração na oferta de crédito em torno de R$ 1 trilhão. “Significa reduzir um quarto do capital do sistema financeiro nacional”, disse.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, também demonstraram preocupação com o desfecho do julgamento. Além do enxugamento do crédito, os bancos quebrariam e a o resto da conta seria repassada aos contribuintes.
Procurada pelo iG , a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) afirmou não poder estimar qual o atual provisionamento – reserva destinada para os pagamentos das correções – dos bancos para os planos, já que trata-se de uma “decisão individual de cada instituição financeira”.
Na outra ponta, quem defende os poupadores contesta os cálculos das instituições financeiras, fala em “desmoralização do Judiciário” e de prejuízo em dobro para os investidores se perderem a causa.
O advogado especializado em direito bancário e do consumidor, Alexandre Berthe, ajudou a conduzir cerca de 500 processos ligados aos planos no escritório Berthe e Montemurro Advogados, e defende que a perda bilionária não faz sentido.
“Se considerarmos o valor máximo do prejuízo aos bancos [R$ 180 bilhões] e dividirmos por 1 milhão de processos, cada ação receberia o valor de R$ 180 mil, uma aberração numérica se considerarmos a condição econômica da população”, defende.
Segundo um cálculo por amostragem dos processos no escritório de Berthe, o valor das correções não ultrapassaria uma média de R$ 10 mil por pessoa. Para o advogado, o cálculo é uma tentativa de sensibilizar os ministros e desviar o foco jurídico do julgamento.
“Considero terrorismo o que os bancos estão fazendo. Se o STF mudar seu entendimento sem nenhuma inovação jurídica, será o fim do judiciário. Vou até repensar se continuo advogando”, afirma Berthe.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que ajuizou diversas ações a favor dos poupadores, também questiona o valor calculado pelo BC e pela Fazenda. A entidade alega que nunca se apresentou a lista de possíveis credores e valores devidos para justificar como se chegou à quantia.
"O mais grave é o seguinte: de onde vêm esses números? Por que os bancos e o BC não abrem para a sociedade quantos eram os valores à época e o que é devido para cada poupador?", questiona Flavio Siqueira Júnior, advogado do Idec, responsável por ações que podem garantir a devolução a qualquer um que tivesse dinheiro na poupança à época dos planos.
O advogado critica a falta de detalhamento dos cálculos feitos na última semana, às vésperas do julgamento. "Os bancos deixaram de cumprir uma norma estabelecida pelo próprio Estado e agora o governo vai contra os poupadores?", questiona Siqueira Júnior. "Causa estranheza essa pressão do próprio ministro da Fazenda."
Se no cenário mais catastrófico a correção provocaria a quebra dos bancos, uma decisão contrária penalizaria em dobro os poupadores, defendem os advogados. Além de ficarem sem a correção, teriam de pagar as custas do processo, ou seja, os honorários dos advogados que representam o setor bancário.
Berthe se diz perplexo por não ter havido nenhuma manifestação pública do governo ou de entidades sobre o prejuízo adicional que os poupadores terão. “O Estado só mobilizou um aparato a favor dos bancos”, diz o advogado.
Se uma derrota do setor bancário pode impactar negativamente o sistema financeiro, uma vitória pode minar a crença de que a poupança é um investimento seguro, defende o Idec. "Vamos supor que o STF diga que os bancos estão corretos: eu não confiaria mais na poupança", argumenta Siqueira Júnior.
Sobre o argumento de que as correções provocariam uma quebradeira no sistema financeiro nacional, Berthe defende que o dinheiro pago vai beneficiar a economia. “O dinheiro dará poder aquisitivo aos brasileiros e será injetado no mercado com a compra de imóveis, utilização de serviços e consumo”, diz.
Relembre o caso
Lesados por perdas decorrentes dos planos econômicos que visavam controlar a superinflação dos anos de 1980 e 1990, milhares de brasileiros que investiam na poupança recorreram à Justiça pedindo a aplicação de novos índices para a correção monetária de seus investimentos.
As ações individuais chegaram a 1 milhão, enquanto diversas entidades ajuizaram ações coletivas. Os processos correram em todas as instâncias judiciais, sempre a favor dos correntistas prejudicados pelos planos Bresser e Verão. O caso só chegou à Suprema Corte do País depois de os bancos questionarem a constitucionalidade das correções monetárias.
Caso o STF decida a favor dos poupadores, o recebimento dos valores entrará em uma nova fase. Será preciso individualizar o que cada correntista tem a receber, definir o valor das correções em cada sentença e verificar se os prazos para ajuizar os processos foram respeitados. Tudo isso pode demorar um bocado, o que abre a possibilidade de os bancos chamarem os correntistas para fazer acordos, e solucionar a questão mais rapidamente.
O boom de processos contra os bancos teve início em 2007, quando se aproximava o prazo limite para ajuizar as ações contra o Plano Bresser (1987). A quantidade de pedidos aumentou até 2009, data final para pleitear a correção. Mas há casos judiciais que datam de 1987.
Todos os processos relacionados aos planos Bresser e Verão (1989) foram julgados procedentes e consolidaram jurisprudência a favor dos poupadores. Já em relação aos planos Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991), não há entendimento jurídico consolidado, e houve inclusive derrotas isoladas.
A solução para as ações de todos os planos será dada com base no julgamento de seis ações pelo STF. Pelo menos três ministros da Corte – Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello – mostraram-se favoráveis aos correntistas.
ENTENDA O JULGAMENTO
O que foram os planos econômicos
Foram tentativas dos governos dos anos de 1980 e 1990 de controlar a hiperinflação do período através da correção monetária, afetando todos os consumidores que possuíam dinheiro aplicado na caderneta de poupança. São eles Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor 1 e Plano Collor 2.
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O que pedem os poupadores
Todos os correntistas que se sentiram prejudicados e ajuizaram ações contra os bancos pedem a aplicação de novos índices para a correção monetária que foi feita. Poipadores alegam ter perdido 20,37% de tudo o que aplicaram com o Plano Verão, o equivalente a R$ 29 bilhões, segundo o IDEC. São mais de 1 milhão de processos individuais e mil ações correndo em juízo.
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O que alegam os bancos
O sistema bancário, amparado pelo Banco Central (BC), recorreu ao Ministério da Justiça para tentar convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal de que uma decisão favorável aos correntistas teria consequências desastrosas para a economia. Os bancos alegam que perderão entre R$ 105 bilhões e R$ 180 bilhões com a decisão.
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Como o STF vai decidir
O julgamento do Supremo vai dar uma solução definitiva para todas as ações em aberto contra os planos econômicos. Os ministros julgarão como base em seis ações. Se os bancos vencerem, quem entrou com ação ficará sem a correção e terá que arcar com os honorários da parte contrária. Se a vitória for dos correntistas, os bancos terão que desembolsar a quantia devida a o que cada um perdeu.
(IG São Paulo)
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