30 março 2014

Comissão da Verdade investiga perseguição aos homossexuais

29/03/14 18:40 Atualizado em 29/03/14 18:52 


Tatiana Farah - O Globo 

SÃO PAULO. A repressão aos movimentos de direitos homossexuais e a tortura e morte de gays, lésbicas e travestis durante o regime militar (1964-1985) são alvo de investigação da Comissão Nacional da Verdade (CNV). O relatório que trata do assunto será coordenado pelo brasilianista James Green, da Universidade de Brown (EUA), ativista fundador do grupo Somos, de resistência homossexual dos anos 70. A informação foi revelada neste sábado durante a audiência sobre ditadura e homossexualidade, organizada pela CNV e pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. 

O encontro contou com a participação de ativistas históricos e de especialistas no assunto, que relataram a forma como os movimentos LGBT e feminista foram sufocados durante o regime autoritário, assim como travestis, homossexuais e prostitutas foram perseguidos, humilhados e assassinados por agentes policiais. Um dos destaques do debate foi a resistência do jornal “Lampião da Esquina”, que circulou entre 1978 e 1981, apesar da censura e da violência de estado.

James Green, que elabora o relatório sobre homossexualidade em parceria com o advogado Renan Quinalha, da Comissão Estadual da Verdade, lembrou o caso de perseguição a Herbert Daniel, ativista homossexual que atuou na luta armada e último a ser anistiado. Green defendeu que o relatório final da CNV, que será entregue em dezembro, seja uma oportunidade para modificar a lei da Anistia. 

_ Vou lutar aqui, no Brasil, e fora até que os agentes do Estado que participaram dessas barbaridades sejam condenados por ter cometido várias violações aos direitos humanos_ disse ele, que completou: _ Temos que lembrar que pessoas como Herbert Daniel, da luta armada, não estavam incluídas na lei da anistia em 1969, porque estava envolvido em dois sequestros de embaixadores para libertarem 110 companheiros e companheiras que foram presos e brutalmente torturados. Ele não foi anistiado, mas as pessoas que torturam os seus amigos foram anistiadas.

Para o brasilianista, o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que cassou direitos em 1968, impediu que o movimento pelos direitos dos homossexuais, mulheres e negros que ganhava força em todas as partes do mundo ganhasse fôlego no Brasil.

_As vítimas do regime militar não eram somente os militantes da esquerda que levantaram armas ou que resistiram em organizar atividades contra o regime. O Estado de exceção afetou toda a sociedade brasileira_ disse Green. 

Representando a Comissão Nacional da Verdade, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, que há mais de 40 anos atua na luta pelos direitos humanos, defendeu a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia (PL-122).

_ É mais do que tempo que o PL que criminaliza a homofobia seja aprovado_ disse Paulo Sérgio, que falou depois de ouvir relatos de casos recentes de crimes homofóbicos, destacados pela secretária estadual de Justiça, Heloísa Arruda.

O presidente da Comissão Estadual da Verdade, deputado Adriano Diogo, lembrou a perseguição policial aos travestis e prostitutas da chamada “Boca do Lixo” em São Paulo.

_ Quem eram os seus inimigos (da polícia e dos agentes da repressão)? Os comunistas, as putas e os homossexuais_ disse o deputado, que continuou: _ Não estamos falando do passado, mas de uma tragédia em que a teoria do “inimigo interno” não acabou.

O secretário estadual de Cultura, Marcelo Araújo, fez uma provocação, citando a pouca adesão da reedição da Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, no dia 22. 

_ Para nossa alegria, menos de mil pessoas em todo o país atenderam a esse chamado anacrônico. Bem menos que a quantidade de pessoas que qualquer clube LGBT em São Paulo consegue reunir em uma noite ou infinitamente menos do que os milhões das paradas gays_ disse o secretário.

Ativista histórica dos direitos das lésbicas, a historiadora Marisa Fernandes (PUC-SP) lembrou da perseguição sofrida pela escritora Cassandra Rios, presa por escrever romances eróticos sobre mulheres. Marisa apontou ainda que houve uma falha da esquerda na época, por não dar o espaço necessário à luta por direitos.

_ Era uma esquerda ortodoxa e e autoritária que não via, naquela hora, a urgência de se pensar esses temas_ disse Marisa.

O encontro contou ainda com a participação de Jorge Caê Rodrigues, ativista histórico e professor da Universidade do Grande Rio, Rita de Cassia Colaço Rodrigues (UFF), Benjamin Cowan (George Mason University, dos Estados Unidos) e Rafael Freitas ( PUC-SP).


(extra.globo.com)

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