21 janeiro 2015

Alerta e veneno: sobre as relações entre Argentina e Irã

17/01/2015 - De Carta Maior

Ao impulsionar um tratado com o Irã de cumprimento impossível, o governo argentino modificou a única combinação sensata de realismo e de justiça que havia.

Martín Granovsky, Página/12


Uma coisa parece estar clara inclusive depois do escrito do procurador: o alerta vermelho emitido em 2007 pela Interpol para a detenção dos suspeitos não caiu nem sequer durante e depois da assinatura e da ratificação parlamentar do acordo com o Irã.

O alerta outorgado aos pedidos de captura dos suspeitos pelo atentado à AMIA foi expedido por 78 votos a favor, 14 contra e 26 abstenções. Não foi uma decisão jurídica, mas sim política, tomada na conferência da Interpol no Marrocos em 6 de novembro de 2007. Isso ocorreu após o esforço de Néstor Kirchner, da presidenta eleita Cristina Fernández de Kirchner e de seus funcionários. As ordens de captura emitidas pelo juiz Rodolfo Canicoba Corral a pedido do procurador Nisman já circulavam. O alerta vermelho votado pelos delegados de cada país no ente que coordena as polícias do mundo significava uma hierarquização do pedido de captura. A medida este vigente até 2005. Caiu quando a Interpol interpretou que a saída do juiz Juan José Galeano e o começo da ação por encobrimento contra Carlos Menem e funcionários de seu governo colocava em dúvida a investigação que a Argentina havia realizado nos onze anos anteriores.

Em 2007, o quadro da situação em torno do tema incluía estes pontos:

- Kirchner, com a colaboração estreita de Cristina como senadora e assessora virtual, havia impulsionado as medidas para deslocar Galeano e ir contra Menem.

- Tanto o deslocamento como a ação judicial avançavam em uma das poucas coisas que um governo podia fazer tantos anos depois do atentado, isto é, tornar transparente uma parte da Justiça e buscar a penalização do encobrimento e a base de causas anteriores – ou, ao menos, a leviandade para construí-las.

- Em foros como a Assembleia Geral da ONU, a Argentina começou a recobrar seu pedido para que o Irã concedesse as extradições reclamadas pela Justiça.

- No entanto, nem o presidente nem a futura presidenta, que continuaria no mesmo caminho até 2012, repetiram a narrativa sobre o atentado que incluía a culpabilidade do Irã como um dado comprovado. Tampouco o contrariaram.

- Desse modo, o kirchnerismo no governo conseguiu algo que parecia impossível. Por um lado, se aproximou de entidades dominantes do setor organizado da comunidade judia, a DAIA e a AMIA, e de todo o espectro dos familiares das vítimas do atentado de 1994. Por outro, não desmentiu a polícia quanto a Galeano, o juiz que terminou sua vida nos tribunais, sem que o atentado fosse investigado a fundo.

- A narrativa não era um simples relato, mas a cara externa de uma articulação de poder que tinha um vértice importante no comissário Jorge “Fino” Palacios, diretor da área antiterrorista da Polícia Federal e candidato permanente a chefe da força de segurança – até que Kirchner acabou com sua carreira em 2004 –, além de outro expoente como funcionário de inteligência, e cuja influência, ao que parece, foi respeitada. 

- A posição oficial argentina reforçou a colaboração antiterrorista com os Estados Unidos, mas o governo não mudou suas posturas internacionais. Por exemplo, não impediu o “não” à ALCA em Mar del Plata, em novembro de 2005.

O quadro da situação em 2007 refletia o que um funcionário definiu uma vez desta maneira, diante de diretores do Congresso Judeu Mundial: “Com dois atentados tremendos em poucos anos, a Argentina é uma grande vítima, mas ser uma grande vítima não transforma um país em grande jogador global nem em potência, e já não é pouca contribuição à causa humanitária internacional respaldar as medidas da Justiça e, ao mesmo tempo, ter melhorado o comportamento de uma parte do foro federal”.

Ao impulsionar um tratado com o Irã de cumprimento impossível – o que está provado pelos fatos –, o governo modificou a única combinação sensata de realismo e de justiça que o próprio kirchnerismo havia ajudado a amadurecer. O acordo, com a centralidade política da questão iraniana outra vez em cena e um Nisman outra vez em condições de polarizar, significava entrar em um território envenenado sem que o Estado argentino, o governo e a maioria do próprio kirchnerismo tivessem qualquer coisa a ganhar.

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