Em 27/04/15 09h3827/04/15 09h57 - De Cleber Toledo (Reprodução)
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Crônica
Nas proximidades da Piazza del Duomo, em Milão, numa elegantíssima via cheia de bares e restaurantes, sob um frio de quase zero grau, nosso grupo, como é comum dos brasileiros, ria alto, falava ao mesmo tempo e se divertia muito. Claro que os italianos não são diferentes. Aliás, um povo muito parecido com o nosso. Inclusive na paixão arraigada pelo futebol. Assim, a decepção deles é tamanha quando encontram um brasileiro como eu, que não entende nada do jogo, não acompanha o noticiário esportivo e, por isso, é completamente desinformado sobre tudo que acontece dentro e fora de campo.
Cada garçom que vinha nos atender já derramava os nomes dos craques que brilharam nos estádios italianos:
- Ronaldinho! Adriano! Kaká! - declamavam, em tom de comemoração de gol, com seu tradicional sotaque cantarolado, totalmente apaixonados.
Eu conhecia os três atletas por nome; que jogaram ou jogavam no exterior, eu tinha lido por alto em sites nacionais e vira em telejornais. Mas não fazia ideia da passagem deles pela Itália. Contaram-me depois que Adriano e Ronaldinho Gaúcho já haviam voltado ao Brasil, e Kaká desfrutava naquele momento do inexplicável amor do povo italiano, ainda que tivesse acabado de se transferir para o Real Madrid, na Espanha, depois de uma atuação marcante pelo Milan até a temporada anterior.
Quando entrei no bar para pagar a conta, dois garçons à porta, que observavam a distância a alegria do nosso grupo, me indagaram: “Brasiliano? Brasiliano?”. Ao admitir que sim, começaram a cantarolar o "Ronaldinho! Adriano! Kaká!”. Ao confessar - já envergonhado - que não entendia nada de futebol, se mostraram mais do que decepcionados:
- Mas você não é brasileiro? - lamentaram num escandalizado italiano.
Era como se fosse uma reprimenda do que tipo: “Como brasileiro, você não tem o direito de não saber nada de futebol!”. Mas a verdade é que não sabia. Ou melhor, não sei.
Para se ter ideia do meu total desconhecimento de tudo que se refere a futebol, sou um paulista flamenguista! Tudo bem, já fui apaixonado pelo esporte. Goleiro dos bons, é o que diziam lá pelos idos de 1983. Mas o que restou desta relação é apenas um sentimento muito distante de que sou flamenguista. Por favor, não me pergunte o nome do goleiro ou do principal atacante do Mengão hoje. Já basta o constrangimento na Itália.
Você deve estar se perguntando como um paulista, cujo pai queria que fosse santista (tradição familiar que começou com meu bisavô) e o tio fez de tudo para que se tornasse corintiano, foi amarrar sua rala paixão futebolística num clube carioca? Explicação rápida e fácil: o escrete rubro-negro de 1981 fez um estrago irreversível no coração, na mente e no bairrismo que imperava até então e obrigava todo paulista a ser torcedor de um clube do Estado de São Paulo, que o mineiro ficasse entre Atlético e Cruzeiro, o gaúcho optasse por Inter ou Grêmio, etc.
A pessoa não era mais a mesma depois de ver Zico, Adílio, Nunes, Tita, Leandro, Rondineli, Júnior, Lico e companhia em campo. O coração acelerava a ponto de ameaçar deixar o peito, a logomarca "CRF" no alto da camisa vermelha e preta se transformava no símbolo mais fascinante que os olhos poderiam contemplar, e todo esse incêndio, provocado por um amor ao mesmo tempo tão contagiante e tão incompreensível, tornava seu Estado ou sua cidade de nascimento um mero detalhe.
Afinal, o Flamengo de Zico, Adílio, Nunes, Tita, Leandro, Rondineli, Júnior, Lico e companhia não era um clube carioca, mas o Brasil em outras cores. Daí a minha tese, muito polêmica e questionável, admito desde já, de que a copa de 1982 seria nossa se a camisa canarinho vestisse aqueles garotos. Tudo bem, vá lá, Falcão, Sócrates, Roberto Dinamite, Toninho Cerezzo, Paulo Isidoro, Serginho Chulapa e Edinho poderiam esquentar o banco.
Diga-se: culpo até hoje, em grande parte, o trauma de 1982 pelo meu completo desapego e afastamento do futebol, como jogador e torcedor. A primeira e única que vez que fui às lágrimas pela seleção brasileira, colocada ao chão pelo cruel Paolo Rossi, da Squadra Azzurra. Passados quase 33 anos, não me recuperei daqueles 3 a 2 até agora.
Se os italianos de Milão tivessem ouvido esses palpites de um desertor teriam se conformado com o triste fato de que há brasileiro que realmente não entende nada de futebol.
Contudo, pensando melhor, se me revelasse totalmente a eles, eu teria destruído toda uma estratégia de décadas da CBF, envolvendo a diplomacia brasileira e até Nelson Rodrigues, para consolidar a imagem da seleção canarinho diante do mundo como "a pátria de chuteiras”.
C.T., Maringá (PR), 24 de abril de 2015.
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