28 janeiro 2016

Renata Corrêa e o documentário Clandestinas: Há médicos que punem violentamente mulher que abortou

publicado em 27 de janeiro de 2016 às 16:26 - De Viomundo (Reprodução)
Da Redação
Renata Corrêa roteirizou o excelente documentário Clandestinas, dirigido por Fádhia Salomão.

Ela respondeu a cinco perguntas do Viomundo sobre o aborto, neste momento em que o debate ganha força por conta de 3.448 casos de microcefalia e/ou malformações, sugestivos de infecção congênita em investigação.

Em Clandestinas, uma entrevistada foi orientada a mentir para um médico do SUS para conseguir tratamento depois de um aborto. Por suas pesquisas e outros relatos, é possível dizer que é a regra?

Renata Corrêa — Eu não sei se é a regra, o meu universo de pesquisa é muito pequeno. Mas o que posso afirmar, com certeza, é que eu, como militante feminista, se tivesse uma amiga ou parente na situação de ter que recorrer ao SUS após as complicações de um aborto ilegal, recomendaria que sim, ela mentisse.

Infelizmente não sabemos quem será o médico que irá atendê-la. E infelizmente muitos médicos não aceitam que qualquer orientação filosófica, religiosa ou pessoal não é maior do que a autonomia da mulher. Jogam fora o juramento de Hipócrates e punem violentamente a mulher que abortou. Então, nesse contexto, acredito que é mais inteligente, para segurança da própria mulher, se utilizar desse artifício ao procurar uma emergência nesses casos.

Qual foi sua constatação mais importante ao fazer o documentário sobre o mundo do aborto clandestino?

Que o aborto clandestino não é o mesmo para todas as mulheres. Uma mulher de classe média irá ter a segurança de uma clínica, com anestesia, equipe de enfermagem, um médico. Será um aborto mais seguro, na medida do possível, onde ela será orientada no pós procedimento.

Claro que isso não livra essa mulher de sofrer violência obstétrica, psicológica ou mesmo sexual e física, dado o caráter ilegal. Se ela for violada, para quem reclama, se o procedimento é proibido?

Ainda assim a situação das mulheres negras, pobres e de periferia é muito mais dramática, sem dinheiro, sem apoio e muitas vezes, pressionadas por um meio conservador e religioso, elas vão tentar métodos nada ortodoxos que colocam suas vidas em risco, como tomar veneno, introduzir objetos pontiagudos na vagina, ou recorrer a profissionais que utilizam instrumentos rudimentares, em ambientes sem higiene e, claro, sem anestesia. E isso impacta na mortalidade e sequelas dessas mulheres.

Em artigo, a feminista Fátima Oliveira, que é médica, escreveu que está em vigor uma tabela nacional para aborto/microcefalia: aplicação de cloreto de potássio em clínica privada, R$ 2.000 + R$ 3.000 pelo aborto em si. Há uma segunda opção: pagar a aplicação do cloreto de potássio em serviço privado e realizar o aborto no SUS. E há o Cytotec, ainda nas mãos do narcotráfico no Brasil. Você tem alguma informação neste sentido?

Sim. Um aborto clandestino no Brasil custa em média R$ 3.500 reais. Pode chegar ao dobro disso, dependendo do profissional e da idade gestacional. Não ouvi muitos relatos com aplicação de cloreto de potássio, geralmente por aspiração/curetagem.

Isso, claro, faz um recorte de quem pode ou não pode fazer um aborto no Brasil. O cytotec é traficado nos mesmos lugares onde se vende cocaína e maconha e custa em média 200 reais o comprimido. Não é barato — para se efetuar o aborto se precisa de quatro comprimidos. Não é algo acessível.

“Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Mas para pessoas em ‘período fértil’. E vamos torcer para que mulheres antes de entrar no período fértil peguem zika para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”. Esta é uma declaração do atual ministro da Saúde, Marcelo Castro. Como você avaia?

Eu avalio que existe um despreparo enorme das esferas governamentais para lidar com a questão do aborto no Brasil.

Algo que deveria ser um direito universal, garantido pela saúde pública, se torna um tabu e a discussão segue permeada por questões morais, quando deveríamos debater os aspectos sociais e as evidências científicas em torno da prática. Em saúde pública não existe “torcer”, existe avaliar os dados e agir de acordo com a urgência e o impacto na população.

E, no entanto, o Brasil corre o risco de ter retrocessos ainda maiores na questão do aborto. Qual é o maior desafio atual e como enfrentar a onda conservadora?

Existem muitos desafios. O principal é combater a desinformação — e nesse caso é mesmo um desafio enorme pois Igrejas, parlamentares conservadores e organizações pró-vida possuem muito mais dinheiro e alcance do que qualquer organização pró-escolha.

Também é muito importante os movimentos sociais estarem atentos às manobras no Congresso, que diminuem direitos e criminalizam ainda mais as mulheres. Essas duas frentes são as mais importantes, na minha avaliação.
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