28 fevereiro 2016

Combate ao caixa 2 nas campanhas

Tendências & Ideias

Combate ao caixa 2 nas campanhas

Tem-se afirmado com certa frequência que as inovações normativas que marcarão as eleições em 2016 tendem a ampliar e robustecer o denominado caixa 2, ou seja, a não contabilização de receitas e despesas de campanha. Essa visão intuitiva é, todavia, equivocada.

Em primeiro lugar, essa leitura parte de uma visão preconceituosa segundo a qual todos os políticos são pessoas desonestas. Se os candidatos não dispõem de meios legais para financiarem suas campanhas - imaginam os defensores dessa visão - logo se voltarão para qualquer prática ilegal capaz de ajudá-los a vencer a qualquer custo.

De fato, a experiência demonstra ser grande o número de pessoas desonestas envolvidas com a atividade política. Mas são muitos os que não se predisporão a praticar crimes para seguir fazendo parte das disputas eleitorais. Uma coisa é receber dinheiro dentro da lei; outra é partir para o campo da delitividade aberta, com todos os riscos que acompanham essa opção.

Bom lembrar que grande número de ilícitos estão relacionados à pratica do caixa 2. Alguns deles são o peculato, a concussão, a lavagem de dinheiro e até o delito autônomo de organização criminosa. Como a origem do dinheiro é invariavelmente ilegal - não se aplica dinheiro limpo em atos abusivos de campanha - a responsabilidade penal estará presente nessa conduta.

Muitos serão os que se deterão pelas mudanças nas regras de financiamento de campanha. Quanto aos demais, estes já não se guiavam pelos preceitos legais anteriormente e, se puderem, continuarão fazendo o que estiver a seu alcance - dentro ou fora dos marcos legais - para manterem o poder político. A diferença é que agora eles poderão ser mais facilmente identificados e detidos.

Com a vedação do financiamento empresarial de campanhas e o estabelecimento de limites de gastos haverá drástica redução do dinheiro lícito disponível para as disputas eleitorais. Isso implica dizer que as campanhas forçosamente terão seu tamanho reduzido. Candidatos que realizarem campanhas opulentas serão facilmente descobertos. Além dos crimes envolvidos, o caixa 2 pode implicar na cassação do candidato e na sua submissão a uma inelegibilidade de oito anos de extensão. São consequências benfazejas da Lei da Ficha Limpa, que prevê tais medidas para todos que abusam do poder econômico nos pleitos eleitorais.

Mas há outro fator de inibição do caixa 2: segundo art. 72, I, da Lei das Eleições, acrescentado pela Lei nº 13.165/2015 (minirreforma eleitoral), os partidos políticos, coligações e candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a divulgar em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim na internet os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral em até 72 horas de seu recebimento.

Isso significa que os eleitores, a imprensa, o Ministério Público e, muito especialmente, os adversários terão acesso ao que os candidatos alegam haver arrecadado. Essa informação poderá ser comparada com a campanha real.

A esses fatores institucionais deve-se somar outra particularidade importante para essa reflexão: a evolução da cultura política. O Brasil finalmente despertou para a gravidade da corrupção. Não imaginem os que planejam comprar mandatos que o farão sem oposição ou sem escândalo. O meio político está bem ciente da explosão de demandas judiciais que ocorreu nos últimos anos.

Registro, por fim, que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral laçaram há duas semanas a Campanha Nacional contra o Caixa 2. O objetivo é disseminar pelo país comitês formados por voluntários com o papel de identificar e denunciar à Justiça Eleitoral a prática desses graves desvios.

O financiamento de campanhas por empresas precisava ser detido. Havia se convertido em uma forma lícita de subornar e submeter mandatários, usurpando o espaço democrático. Agora que conquistamos esse importante objetivo, devemos zelar pela nova institucionalidade que ajudamos a construir.

Marlon Reis é um dos redatores da Lei da Ficha Limpa e doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidad de Zaragoza.
E-mail: juizmarlon@gmail.com

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