Tendências & Ideias
Combate ao caixa 2 nas campanhas
Tem-se afirmado com certa frequência que as inovações
normativas que marcarão as eleições em 2016 tendem a ampliar e
robustecer o denominado caixa 2, ou seja, a não contabilização de
receitas e despesas de campanha. Essa visão intuitiva é, todavia,
equivocada.
Em primeiro lugar, essa leitura parte de
uma visão preconceituosa segundo a qual todos os políticos são pessoas
desonestas. Se os candidatos não dispõem de meios legais para
financiarem suas campanhas - imaginam os defensores dessa visão - logo
se voltarão para qualquer prática ilegal capaz de ajudá-los a vencer a
qualquer custo.
De fato, a experiência demonstra ser
grande o número de pessoas desonestas envolvidas com a atividade
política. Mas são muitos os que não se predisporão a praticar crimes
para seguir fazendo parte das disputas eleitorais. Uma coisa é receber
dinheiro dentro da lei; outra é partir para o campo da delitividade
aberta, com todos os riscos que acompanham essa opção.
Bom
lembrar que grande número de ilícitos estão relacionados à pratica do
caixa 2. Alguns deles são o peculato, a concussão, a lavagem de dinheiro
e até o delito autônomo de organização criminosa. Como a origem do
dinheiro é invariavelmente ilegal - não se aplica dinheiro limpo em atos
abusivos de campanha - a responsabilidade penal estará presente nessa
conduta.
Muitos serão os que se deterão pelas
mudanças nas regras de financiamento de campanha. Quanto aos demais,
estes já não se guiavam pelos preceitos legais anteriormente e, se
puderem, continuarão fazendo o que estiver a seu alcance - dentro ou
fora dos marcos legais - para manterem o poder político. A diferença é
que agora eles poderão ser mais facilmente identificados e detidos.
Com
a vedação do financiamento empresarial de campanhas e o estabelecimento
de limites de gastos haverá drástica redução do dinheiro lícito
disponível para as disputas eleitorais. Isso implica dizer que as
campanhas forçosamente terão seu tamanho reduzido. Candidatos que
realizarem campanhas opulentas serão facilmente descobertos. Além dos
crimes envolvidos, o caixa 2 pode implicar na cassação do candidato e na
sua submissão a uma inelegibilidade de oito anos de extensão. São
consequências benfazejas da Lei da Ficha Limpa, que prevê tais medidas
para todos que abusam do poder econômico nos pleitos eleitorais.
Mas
há outro fator de inibição do caixa 2: segundo art. 72, I, da Lei das
Eleições, acrescentado pela Lei nº 13.165/2015 (minirreforma eleitoral),
os partidos políticos, coligações e candidatos são obrigados, durante
as campanhas eleitorais, a divulgar em sítio criado pela Justiça
Eleitoral para esse fim na internet os recursos em dinheiro recebidos
para financiamento de sua campanha eleitoral em até 72 horas de seu
recebimento.
Isso significa que os eleitores, a
imprensa, o Ministério Público e, muito especialmente, os adversários
terão acesso ao que os candidatos alegam haver arrecadado. Essa
informação poderá ser comparada com a campanha real.
A
esses fatores institucionais deve-se somar outra particularidade
importante para essa reflexão: a evolução da cultura política. O Brasil
finalmente despertou para a gravidade da corrupção. Não imaginem os que
planejam comprar mandatos que o farão sem oposição ou sem escândalo. O
meio político está bem ciente da explosão de demandas judiciais que
ocorreu nos últimos anos.
Registro, por fim, que a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral laçaram
há duas semanas a Campanha Nacional contra o Caixa 2. O objetivo é
disseminar pelo país comitês formados por voluntários com o papel de
identificar e denunciar à Justiça Eleitoral a prática desses graves
desvios.
O financiamento de campanhas por empresas
precisava ser detido. Havia se convertido em uma forma lícita de
subornar e submeter mandatários, usurpando o espaço democrático. Agora
que conquistamos esse importante objetivo, devemos zelar pela nova
institucionalidade que ajudamos a construir.
Marlon Reis é um dos redatores da Lei da Ficha Limpa e doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidad de Zaragoza.
E-mail: juizmarlon@gmail.com
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