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Nações alegam que passado brutal os escraviza até hoje; chance de sucesso em instância legal é improvável
Em 2008, em uma biografia que escreveu sobre um ativista contra a escravidão, o ministro do exterior britânico, William Hague, descreveu o comércio de seres humanos como uma barbaridade indesculpável, “brutal, mercenária e desumana do começo ao fim”. Catorze países caribenhos onde foi sustentada a economia da escravidão agora querem que Hague vá além das palavras.
Ele estimulou uma sensação de injustiça que se arrastava por dois séculos e os países planejam compilar um inventário de prejuízos duradouros que sofreram e, então, exigir um pedido de desculpas e compensações das antigas potências coloniais do Reino Unido, França e Holanda.
Para defender seu caso, eles contrataram uma firma de advocacia de Londres que este ano ganhou compensações dos britânicos para quenianos que foram torturados durante o governo colonial nos anos 1950.
O Reino Unido proibiu a escravidão em 1807, mas o legado dela permanece. Em 2006, o então primeiro-ministro, Tony Blair, expressou “profundo pesar” pelo comércio de escravos; o ministro holandês de assuntos sociais, Lodewijk Asscher, fez um pronunciamento semelhante em julho.
O Reino Unido já pagou compensações por causa da abolição do comércio de escravos – mas para os donos de escravos, não para as vítimas. O Reino Unido transportou mais de três milhões de africanos pelo Atlântico, e o impacto desse comércio foi vasto. Historiadores estimam que, na era vitoriana, entre um quinto e um sexto de todas as fortunas de britânicos ricos derivavam, ao menos em parte, do comércio de escravos.
Ainda assim, o tema de pedidos de desculpas – isso sem falar em reparações – por ações de líderes mortos há muito tempo são um assunto sensível em todo o mundo.
A Turquia se recusa a assumir a responsabilidade pelo assassinato em massa de armênios durante o império otomano. Foi apenas em 1995 que o então presidente da França, Jacques Chirac, se desculpou por crimes contra os judeus no governo de Vichy. O atual presidente francês, François Hollande, condenou o tratamento que o país concedeu à Argélia, sua antiga colônia, classificando-o como “brutal e injusto”. Mas não chegou a se desculpar. Seu predecessor, Nicolás Sarkozy, ofereceu ajuda em um pacote de cancelamento de dívidas ao Haiti em 2010, ao reconhecer as “feridas da colonização”.
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No Reino Unido, em 1997, Blair descreveu a fome na Irlanda no final dos anos 1940 como “algo que ainda causa dor quando refletimos sobre o assunto hoje”, mas sentir dor não é a mesma coisa que um pedido formal de desculpas.
Para alguns, tais comentários não vão longe o bastante, particularmente quando algumas nações europeias como a Alemanha pediram desculpas – o ex-chanceler Willy Brandt ficou de joelhos em 1970 – e pagaram “reparações” pelos crimes nazistas.
As nações caribenas alegam que o passado brutal continua, de certa forma, a escravizá-los até hoje. “Nossa luta constante por recursos para o desenvolvimento está ligada à impossibilidade histórica de nossas nações de acumular a riqueza vinda do esforço do nosso povo durante o colonialismo e a escravatura”, disse Baldwin Spencer, primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, em julho. As reparações, afirmou, devem ser dirigidas a reparar os danos causados pela escravidão e racismo.
Martyn Day, sócio da firma de advocacia representando os países caribenhos, disse que o caso deve ser iniciado no próximo ano na Corte Internacional de Justiça, em Haia, um tribunal que media disputas legais entre Estados.
“O que aconteceu no Caribe e no oeste da África foi tão ultrajante que acreditamos ter chances decentes de sucesso. O fato de se subjulgar uma classe inteira de pessoas de forma massiva não tem paralelo”, afirmou Day.
Algns países já começaram a listar os danos que perduram, que vão desde uma educação deficiente e falta de oportunidades econômicas, até problemas de alimentação e saúde, relatou o advogado.
Críticos argumentam que não faz sentido tentar corrigir erros que remontam vários séculos, e que os países do Caribe já receberam compensações por meio de ajuda financeira para desenvolvimento.
O terreno legal não é muito encorajador. Apesar de várias empresas americanas e britânicas terem se desculpado por suas relações com a escravidão, os esforços dos descendentes dos escravos trazidos da África para os EUA no século 19 que pediram na Justiça reparações das empresas tiveram poucos frutos.
Diferentemente do caso de sucesso dos quenianos torturados, não havia vítimas da escravidão para apresentar à corte. E mesmo nesse caso, em que o Reino Unido concordou em pagar compensações, o ministro Hague insistiu que ele não abria precedentes.
Apesar de o Parlamento ter abolido o comércio de escravos em 1807, a lei levou anos para se colocada em prática. Em 1833, o Parlamento gastou 20 milhões de libras para compensar os antigos donos de escravos – o equivalente a 40% dos gastos do governo naquele ano, de acordo com estimativas do pesquisador Nick Draper, da College Universidade, em Londres, que estima que o valor atualizado seja de cerca de US$ 21 bilhões (cerca de R$ 46 bilhões).
O trabalho de Draper buscou quem foram os receptores da compesanção e encontrou ancestrais dos autores Graham Greene e George Orwell, assim como um parente distante do primeiro-ministro David Cameron.
Mas as perspectivas de um processo legal hoje para reparar as vítimas são bastante incertas. Roger O’Keefe, vice-diretor do Centro Lauterpacht para Lei Internacional da Universidade Cambridge, disse que “não há a menor chance de este caso chegar a algum lugar”, descrevendo o processo como “uma fantasia”.
Ele argumenta que apesar de Holanda e Reino Unido terem aceitado a jurisdição da corte internacional, o Reino Unido exclui disputas sobre eventos anteriores a 1974.
“Reparações devem ser concedidas apenas para o que era ilegal na época em que foi praticado. A escravidão e o comércio de escravos não era ilegal na época em que as potências colonias os praticaram”, disse O’Keefe.
Mesmo os advogados dos países caribenhos dão indícios de que um acordo alcançado por meio de pressão pública e diplomática pode ser a grande esperança.
A visão de Hague acrescenta uma dimensão intrigante à disputa. Na biografia que escreveu sobre o mais famoso abolicionista britânico, William Wilberforce, Hague destaca muitas das atrocidades da escravatura, incluindo um caso em 1783 quando o capitão de um navio negreiro jogou 133 escravos no mar para que pudesse pedir o seguro por carga perdida.
Em 2007, no aniversário de 200 anos da abolição do comércio de escravos, Hague falou do seu profundo pesar sobre “uma era em que a venda de homens, mulheres e crianças era realizada legalmente em nome do país, em uma escala tão grande que se tornou um comércio lucrativo”.
Mas como ministro de Relações Exteriores, Hague se opôs a dar compensações. Em uma declaração emitida por seu escritório, disse que o Reino Unido “condena a escravidão” e está comprometido em eliminá-la onde quer que ainda exista, mas que “não vemos as reparações como a resposta”.
Por Stephen Castle
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