14 setembro 2015

O martelo do juiz não é o mesmo do leiloeiro

Em 13/09/2015 - De Carta Maior (Reprodução)

4 ministros do TST receberam pagamentos do Bradesco para proferir palestras, mas não se declaram impedidos de julgar processos que têm o banco como parte.

Jacques Távora Alfonsin


Já entrou para a história do direito, com influência direta no imaginário cultural do povo, a associação da autoridade judicial com o gesto de alguém bater o martelo, um símbolo não despido de violência, para se considerar como decidido um determinado conflito submetido ao seu julgamento.

A arte, especialmente a do teatro, do cinema e das novelas, explora muito julgamentos dramáticos, antecedidos e sucedidos por dúvidas sobre se houve ou não justiça em cada martelada, as vezes deixando espectadoras/es ansiosamente inseguros e com juízos próprios sobre se, afinal, a inocência foi reconhecida ou a culpa premiada. O “Mercador de Veneza”, de william Shakespeare, é um dos melhores exemplos dessa arte. 

Num processo judicial não fictício, onde está em causa a cobrança de uma determinada dívida não paga, por exemplo, como acontecia no Mercador de Veneza, um leiloeiro, nomeado por um/a juiz/a, também usa um martelo para, depois de um pregão onde são analisados os melhores valores a serem pagos por bens penhorados de algum/a devedor/a inadimplente, ser escolhido o de lance maior, durante um leilão convocado publicamente para isso. Aí o bater do martelo serve de sinal, também, para todas/os conhecerem o resultado final desse ato.

Garante-se dessa forma a entrega desses bens a quem se habilitou à arrematação deles e ofereceu o melhor lanço, para o produto em dinheiro, recebido no leilão, passar depois às mãos do/a credor/a, com direito ao pagamento da dívida não quitada pelo/a devedor/a, em tempo fixado para isso.

A diferença de finalidades entre esses dois martelos é evidente. Uma sentença jamais pode ser arrematada, como se pudesse ser posta em leilão, oferecida à oferta de pagamento do seu preço em dinheiro, às pessoas participantes de um processo, para ela decidir em favor de quem pague mais à/ao juiz/a signatária/o do julgamento, haja ou não prejuízo do direito ameaçado, violado ou até já perdido, exigindo reparação no processo em que vai exercer a sua autoridade.

A lei prevê uma hipótese dessas como crime.

Uma notícia da Folha de São Paulo de 6 deste setembro coloca seriamente em dúvida a diferença entre esses dois martelos:

Quatro ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) receberam pagamentos do Bradesco para proferir palestras no banco desde 2013, mas não se declaram impedidos de julgar processos que têm o banco como parte. O mais frequente é o atual corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro João Batista Brito Pereira, que, em dois anos e meio, recebeu R$ 161,8 mil do banco por uma sequência de 12 palestras.

Inquirido a respeito, pelo mesmo jornal, o referido juiz não negou ter sido pago pelas tais palestras, mas explicou sua atitude com a seguinte resposta, conforme a mesma notícia:

As palestras não retiram minha isenção [...] Foram de temas genéricos e não ensejaram discussão sobre caso específico", disse João Batista Brito Pereira. A remuneração, afirmou, foi definida pelo banco sem sua interferência.

As/os nossas/os leitoras/es conseguem atribuir completa isenção de consciência e imparcialidade num/a juiz/a que aceita ser pago por um Banco, para fazer palestras, se esse Banco for parte num processo sob seu julgamento? Essa é uma pergunta que, diante da resposta oferecida pelo juiz, qualquer brasileira/o tem o direito de, não só fazer, como também de, a seguir, julgar, e julgar moralmente.

O Poder Judiciário brasileiro já foi considerado exemplo de honestidade, idoneidade e amor à justiça. Essa honrosa e bela imagem vem se deteriorando progressivamente de uns anos para cá. Não só no Poder Legislativo e no Executivo, não só na direção das grandes empresas privadas anda se flexibilizando uma concepção de ética, incompatível com as responsabilidades próprias de quem exerce poderes capazes de ameaçar ou até ferir gravemente direitos alheios.

O Estadão do dia 9, logo depois da Folha, colocou a questão nos seus devidos termos. Nem todo o ato considerado legal por um/a juiz/a, especialmente aquele relativo ao exercício da sua autoridade, é, também, ético. 

Daqui a pouco não vai faltar até deboche do povo para acentuar e ridicularizar essa moral corrente e muita injusta com a maioria dos/as juízes honestas/os do Brasil, como aqueles/as que renunciaram ao auxílio moradia: “Compre uma palestra de juiz/a e leve de brinde uma sentença a seu favor”. 

Créditos da foto: succo / pixabay

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