Em 08/12/2015 - Por Luísa Martins / Fornecido por Estadão Itamaraty, em Brasília
BRASÍLIA - Cinco candidatos aprovados na terceira e última fase do concurso para a carreira de diplomata, do Itamaraty, são alvos de ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) para que não tomem posse. Os concorrentes brancos são suspeitos de se autodeclararem negros para, via cotas raciais, avançar mais facilmente na seleção.
O MPF apresentou a ação à Justiça na manhã desta segunda-feira, após constatar que os candidatos não apresentam “cor de pele escura, própria de pretos ou pardos, e nem mesmo traços faciais/cabelos característicos de pessoas negras”. Ao fim da tarde, o Itamaraty divulgou um novo edital, convocando candidatos aprovados por cotas a se apresentarem a um Comitê Gestor de Gênero e Raça, nesta quinta-feira.
Sete diplomatas vão “esclarecer eventuais dúvidas com o candidato sobre sua alegada condição de preto ou pardo (...) com base primordialmente no fenótipo”. A ação do MPF será mantida, mas a Justiça pode considerar que houve "perda de objeto", solicitando o arquivamento.
A análise do MPF foi feita a partir de fotografias obtidas diretamente de bancos de dados oficiais e também de redes sociais, por meio dos e-mails fornecidos pelos próprios concorrentes no momento da inscrição.
Além do impedimento da posse, a medida pede que a Justiça obrigue o Itamaraty a tomar providências para garantir a regularidade das nomeações. Os cinco candidatos se inscreveram como negros e pardos para tentar ocupar as seis vagas destinadas a cotistas, de um total de 30. Na ampla concorrência, a seleção é duas vezes mais competitiva. Esta é a primeira vez em que a política de cotas é adotada em todas as fases do concurso, por causa da lei - sancionada em 2014 - que prevê 20% das vagas federais a candidatos autodeclarados negros ou pardos.
A ação resulta de um inquérito civil instaurado em agosto, depois que o MPF foi informado, por meio de duas representações, de que existia participação fraudulenta de brancos no sistema de cotas. Os procuradores Ana Carolina Alves Araújo Roman, Felipe Fritz Braga e Luciana Loureiro Oliveira, que assinam o documento, tentaram resolver a situação extrajudicialmente, recomendando ao Itamaraty, ainda na primeira fase do certame, que fosse instituído um comitê de verificação das autodeclarações - algo que não estava, até a tarde desta segunda, previsto em edital.
“No entanto, o órgão alegou ser impossível realizar a avaliação das declarações e prosseguiu com as etapas do concurso”, informou o MPF, que decidiu, então, apresentar a ação à Justiça. “A conduta omissiva do Itamaraty representa grave risco aos direitos dos candidatos negros que serão excluídos com a homologação do concurso”, justificam os procuradores.
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmou que “mantém diálogo institucional” com o MPF e que a publicação do novo edital não teve relação com a ação, já que ainda não havia sido notificado. No documento, o Itamaraty prevê que os diplomatas do comitê emitam pareceres após cada entrevista, informando-os de imediato aos candidatos. Devem se apresentar os concorrentes que tenham sido beneficiados pelas cotas em qualquer fase do concurso (e quem não comparecer estará automaticamente eliminado). “Casos de dúvidas ou de suspeição de fraude serão encaminhados às autoridades competentes. Se caracterizada falsidade ideológica, serão objeto das penalidades legais”, alerta o documento.
Urgência. A lista final de aprovados foi divulgada nesta segunda e seria publicada na terça no Diário Oficial da União - é quando começa a correr o prazo de validade do concurso, apenas de 30 dias. O MPF pede que a ação seja analisada com urgência, tendo em vista que o certame expira “em pouco tempo” e que a convocação dos aprovados é feita tão logo o resultado final é publicado. “A demora pode excluir de forma permanente e irreversível os candidatos negros preteridos pela nomeação (...), ceifando de modo definitivo o direito desses ao ingresso legítimo na carreira de diplomata”, dizem os procuradores.
Para eles, as características físicas dos suspeitos de fraudar o sistema torna improvável que, “considerado o comportamento habitual da sociedade brasileira”, sejam “alvos de preconceito e discriminação raciais em razão da cor da pele que ostentam”.
O comitê de verificação dos traços fisionômicos foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, quando um julgamento ratificou juridicamente a política de cotas na Universidade de Brasília (UnB) e determinou que, em caso de declaração falsa, o candidato deve ser desclassificado. Para o MPF, caso não fossem tomadas providências em relação ao concurso, haveria um “duplo descumprimento”, tanto pelos candidatos quanto pelo Estado, dos “objetivos fundamentais previstos na Constituição, como o de construção de uma sociedade solidária; de redução das desigualdades sociais e de promoção do bem de todos sem preconceito de raças”.
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