27/12/2014
O tributo é pródigo. Entre no Convento das Mercês, uma gema colonial elegantemente restaurada, construída aqui em 1654, e aprenda sobre as realizações de José Sarney – ex-presidente do Brasil e chefe de uma dinastia política que controlou o vasto Estado do Maranhão por cinco décadas.
Um documentário mostra Sarney como um governador bigodudo tirando o Maranhão de seu isolamento econômico nos anos 60. Fotos o registram presidindo o Brasil durante a transição para um governo civil nos anos 80. Uma série de títulos, incluindo “O Dono do Mar”, mostram sua proeza literária como um romancista-estadista.
Do lado de fora do Convento das Mercês, que abriga uma fundação que proclama Sarney e é financiada por verba pública, os moradores são rápidos em apontar as marcas da família por toda São Luís, a capital do Estado.
Precisa de um lugar para morar? Considere o bairro de Vila Sarney, eles brincam. Um hospital? Há a Maternidade Marly Sarney. Quer ler um livro? Experimente a Biblioteca José Sarney. Precisa ir ao centro velho? Pegue a Ponte José Sarney. E se tiver um problema, você pode entrar com uma ação na Justiça –no Fórum Desembargador Sarney Costa.
Mas toda a celebração visível de Sarney agora contrasta com a forma como o patriarca, 84 anos, e seus descendentes são vistos tanto no Maranhão, um dos Estados mais pobres do Brasil, e no restante do país.
Os eleitores removeram os aliados políticos de Sarney no Maranhão nas eleições em outubro, e o próprio Sarney, há muito um dos homens mais poderosos do Brasil de sua posição no Senado, anunciou que não tentaria a reeleição, possivelmente abrindo caminho para uma das mudanças mais profundas na política brasileira nos últimos anos.
“O último dos grandes coronéis do Brasil finalmente está em declínio”, disse Rodrigo Lago, um advogado e ativista por transparência, usando o termo para os homens fortes que exercem poder sobre grandes áreas do Brasil, principalmente aqui no Nordeste pobre do país.
“Se o Maranhão pode mudar, então os oligarcas de toda parte podem ser coibidos neste país”, acrescentou.
Mas aqui no reduto dos Sarney do Maranhão, muitas pessoas estão otimistas com as chances de finalmente ocorrer uma mudança.
“Nós estamos cheios dos Sarneys, que permaneceram no poder apenas para se enriquecerem”, disse Sueli Celeste, 48 anos, a secretária em uma escola próxima do Convento das Mercês, no centro velho de São Luís, que está repleto de casarões abandonados.
“Esconda seu telefone quando caminhar por aqui”, acrescentou. “Os viciados em crack o roubarão se virem você tirando fotos.”
Um dos Estados mais pobres
As raízes do ressentimento não são difíceis de ver. O Maranhão continua sendo um dos Estados mais pobres do Brasil, com muitos de seus habitantes sobrevivendo de agricultura de subsistência.
Mas a família Sarney conseguiu reunir uma coleção poderosa de empresas de comunicação de massa, incluindo o jornal “O Estado do Maranhão” e a “TV Mirante”, uma afiliada da rede “Globo”, permitindo ao clã celebrar seus feitos e atacar seus críticos.
“A mídia exalta constantemente as grandes coisas que Sarney e seus aliados fizeram e estão fazendo”, disse Sean Mitchell, um antropólogo da Universidade Rutgers que realiza uma extensa pesquisa no Maranhão. “Apesar disso, os serviços públicos prestados pelos detentores de cargos da família Sarney e aliados é terrível.”
O Maranhão é o penúltimo dos 26 Estados do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, uma medição abrangente de fatores como níveis de educação, renda e expectativa de vida.
Escrevendo neste ano em sua coluna dominical em “O Estado do Maranhão”, o jornal da família Sarney, José Sarney argumentou que o índice de desenvolvimento foi criado como uma estratégia pelos “países imperialistas” para explorar as fraquezas nos países em desenvolvimento. “Pois é esse índice que alardeiam quando querem falar mal do Brasil e pior do Maranhão”, disse. (O índice foi criado por um ganhador do Nobel da Índia e por um ex-ministro das finanças do Paquistão.)
Um apoiador do golpe militar de 1964, Sarney prosperou durante o governo autoritário antes de despontar em 1984 como companheiro de chapa de Tancredo Neves, o líder da restauração da democracia no Brasil. Eleito presidente em 1985, Tancredo morreu de complicações de uma cirurgia intestinal antes de tomar posse, abrindo caminho para a ascensão de Sarney ao poder.
Sarney, cujos assessores disseram não estar disponível para uma entrevista, deixou a presidência em 1990 com um índice de aprovação de apenas 14%, em meio a duras críticas à sua gestão da economia. Na época, o Brasil enfrentava uma taxa de inflação anual de 1.765%.
Então Sarney se reinventou como um senador pelo Estado do Amapá, um território na Amazônia transformado em Estado em 1991, supervisionando o crescimento do império de mídia da família e a entrada de seus filhos na política. Ele voltou à proeminência ao longo da última década como presidente do Senado, enfrentando acusações de nepotismo e corrupção.
Sua filha, Roseana, a governadora de saída no Maranhão, é celebrada nas páginas do jornal da família (uma foto de primeira página em novembro a mostrava tocando violão enquanto visitava uma escola). Mas o seu último ano como governadora foi marcado por crises nos presídios, com rebeliões envolvendo decapitações e relatos de que gangues estavam estuprando as esposas dos presos durante as visitas conjugais.
Citando razões pessoais, Roseana Sarney deixou o cargo neste mês, restando apenas semanas para o fim de seu mandato mais recente, evitando assim a cerimônia de entrega do governo para seu sucessor em 1º de janeiro. Enquanto isso, depoimentos no imenso escândalo de propina envolvendo a companhia estatal de petróleo a vinculam ao esquema. Roseana, que negou as acusações, também recusou o pedido de entrevista.
Algumas pessoas no Maranhão duvidam que a família Sarney apenas se recostará e ficará assistindo a seus oponentes assumirem o poder. De fato, Roseana Sarney já foi retirada antes do palácio do governo, após a eleição de um governador de oposição em 2006. Mas aquele governador foi derrubado diante das acusações na mídia controlada por Sarney de compra de votos, permitindo a volta de Roseana para substituí-lo.
Seu pai, o patriarca da família, permanece desafiador mesmo ao final de sua longa carreira política. Escrevendo em sua coluna dominical sobre o “novo Maranhão”, José Sarney disse que o Estado parecia um “corpo sem cabeça” antes de se tornar governador nos anos 60.
“A geração de hoje não tem noção desta luta. A maior de todas as vitórias foi mudar a mentalidade do Maranhão”, disse. “Foi tão forte que deu um presidente da República, e o Maranhão passou a ser um dos mais importantes Estados do país.”
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