23 julho 2015

Que jornalismo é esse, companheiro?

Publicado por ⋅ 21 de julho de 2015 - https://lucioflaviopinto.wordpress.com

Para mim, o melhor cargo que um jornalista pode querer é o de repórter especial. Especial porque não tem horário nem conveniências. A qualquer momento pode ser acionado e enviado (aí vira enviado especial) para qualquer parte do mundo, tratando-se de uma publicação internacional ou nacional, ou do Estado, num órgão local.
 
Esse jornalista (pau-para-toda-obra) tem experiência, conhecimento, vivência, maturidade e qualidades outras suficientes para desempenhar qualquer missão e realizar o que dele se espera. É o jornalista da linha de frente, em contato permanente com os fatos mais relevantes do dia a dia, que constituirão a história logo depois.
 
Há poucos repórteres especiais na imprensa paraense. Alguns têm apenas o título e nada mais. Uns poucos merecem o qualificativo. Carlos Mendes é um deles. Até hoje, ele integrava o diminuto quadro de repórteres especiais do Diário do Pará. Foi chamado na semana passada ao setor de recursos humanos do jornal, onde, hoje pela manhã, fez o exame demissional. No dia 27, à tarde, a rescisão contratual será homologada no sindicato dos jornalistas.
 
Demitir é um direito da empresa. Infelizmente, as demissões acontecem sempre, agora com muito maior constância. São tempos de difícil transição para o jornalismo, a cobrar seu preço em cabeças humanas. A demissão de Carlos Mendes foi executada de forma tão súbita e sumária que surpreende e assusta. Enoja e enjoa.
 
Parece que a empresa quis puni-lo, como se pudesse tal coisa. Seu principal executivo, Jader Barbalho Filho, deu um jeito de não receber Mendes, mesmo provocado a um encontro. Certamente não pensou em ter o gesto de cavalheirismo e de justiça de dar pessoalmente as despedidas ao profissional que contratou – também em pessoa – para fazer parte do grupo reduzido de repórteres especiais do seu jornal. E que, até robusta prova em contrário. honrou o convite, tantas foram as matérias assinadas por ele que o Diário publicou, invariavelmente com destaque.
 
O próprio Mendes, reconstituindo o insólito diálogo que teve – apenas pela internet – com o novo diretor de redação do jornal da família Barbalho, o pernambucano Klester Cavalcanti, atribui a sua demissão cirúrgica a dois fatos: não compareceu a uma reunião convocada pelo chefe (plenipotenciário?) e esse chefe considerou mal apurada uma matéria do subordinado. Não o quer no quadro de jornalistas que agora comanda.
 
Qual a autoridade técnica de Klester para julgar uma matéria de Mendes? Claro, o diretor de redação do Diário é nome nacional, tem livros publicados, trabalhou em Veja (mas também no extremo oposto, a revista de fofocas Contigo), foi enviado especial e tudo mais. Ainda assim, para o Pará e para a Amazônia, sua folha de serviços está muito aquém do currículo de Mendes.
 
O mínimo de atenção que o chefe devia conceder ao chefiado seria discutir seus pontos de vista em cima do texto. Se demonstrasse seu veredito, o chefe podia dar mais uma oportunidade ao chefiado de melhorar o seu trabalho. O comportamento mercurial de Klester sugere que se tratou de um ajuste de contas – de uma punição. Por quê?
 
Ninguém sabe. Talvez só o chefe e o seu chefe, que se quedaram mudos e indiferentes à cobrança da opinião pública, reconhecida pelas contribuições e o acervo acumulado de informações produzidas em favor da coletividade por Carlos Mendes.
 
Escrevo isso não por ser amigo dele. Distingo o amigo do profissional. Já discordamos algumas vezes, mas isso é secundário. O importante é o valor do material jornalístico que ele produziu durante pelo menos quatro décadas de jornalismo de front. Esse passado impõe respeito, exige respeito.
 
O que me decepciona e entristece é ver executivos pelos quais tenho (ou tinha?) apreço, como Jader Filho e Camilo Centeno, se comportarem de forma discrepante com o que me costumei a observar neles e se reinventarem, como se diz. Talvez por osmose com o que é regressivo, um retrocesso nas boas práticas profissionais, humanas e civilizadas do que foi a boa imprensa paraense.
 
Pode parecer incrível, mas novamente o jornal do senador Jader Barbalho, que o fundou em 1982 para tê-lo na campanha para o governo do Estado, em 1982, da qual saiu vitorioso, regride no caminho da tão esperada profissionalização.
Link original da postagem: https://lucioflaviopinto.wordpress.com/2015/07/21/que-jornalismo-e-esse-companheiro/

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