16/10/2014 - 09:12 - De: CT Online
Desde a criação do Instituto de Previdência dos Servidores Municipais de Marabá (Ipasemar), no ano de 1996, foram aposentados 163 professores da rede municipal de ensino. Uma parcela bem representativa (30 docentes) teve de ser afastada por problemas de saúde adquiridos durante o exercício da profissão. Dessa quantidade, 11 casos estão relacionados a problemas psicológicos, como depressão e estresse, representando 36% dos afastamentos ligados à saúde.
Os quadros de depressão e estresse configuram em terceiro lugar no ranking das principais causas de aposentadoria de professores do Município de Marabá, de acordo com o Ipasemar. Na primeira posição, aparecem as lesões osteoarticulares (ossos e articulações), seguidos pelos distúrbios na voz, em segundo, e no quarto lugar estão as doenças gástricas. Dos mais de 160 educadores aposentados ao longo de quase 20 anos, 33 casos foram por invalidez, situação em que realmente não há mais condições de retorno à função.
O presidente do Instituto, Karam El Hajjar, disse que essa nova realidade é preocupante e aponta para a necessidade de um cuidado maior para com a saúde mental dos educadores, que passam por alto nível de estresse durante o trabalho. “Estamos tendo, cada vez mais, casos de depressão e essa realidade ocorre, principalmente, entre professores, o que é lamentável, porque é uma categoria muito dedicada ao trabalho”, diz Karam.
Quando o profissional apresenta qualquer tipo de doença por um período superior a 30 dias ele precisa passar por uma perícia por uma junta médica do Ipasemar, a fim de confirmar se realmente necessita do benefício. Todos os meses, o instituto gasta em torno de R$ 90 mil com educadores do município afastados de suas funções por problemas de saúde.
“Isso não causa nenhum impacto na folha de pagamento do Município, porque ele passa para o Ipasemar, que é um instituto como o INSS, mas ele é da prefeitura”, explica a diretora de Benefício do Ipasemar, Silvânia Ribeiro. Ela justifica que não são geradas duas despesas pelo fato de precisar contratar outro docente. “É descontado um percentual que gera fundos repassados para as aposentadorias”.
Todavia, quando o afastamento por problema de saúde é inferir a 30 dias, a Semed precisa substituir o professor que está fora da sala de aula e isso gera, sim, duas despesas. No geral, levantamento feito com ajuda de técnicos do Ipasemar avalia que o afastamento deve gerar até R$ 150 mil mensais ao instituto e à Prefeitura.
Muitos dos professores afastados por problemas de saúde acabam retornando depois ao trabalho, mas não vão mais para a sala de aula. São os chamados “readaptados”. Isso significa que aquele professor de Ciências, Matemática, entre outras disciplinas, é remanejado para a sala de leitura, laboratório de informática ou até mesmo para a secretaria da escola. E nessa condição há cerca de 200 professores, alguns dos quais sofrem problemas de depressão.
Para conseguirem um salário melhor, muitos professores acumulam jornada de trabalho em várias escolas, trabalhando pela manhã, tarde e noite, no município, estado e até em escolas privadas. E para casa levam trabalhos para serem corrigidos, avaliações e planejamentos para serem produzidos.
Aposenta mais cedo
Por causa do elevado nível de estresse, o professor pode se aposentar mais cedo que a maioria dos profissionais. Enquanto a maior parte dos homens aposenta com 35 anos de contribuição, os educadores podem deixar de trabalhar aos 30; entre as mulheres, a aposentadoria pode chegar ainda mais cedo, aos 25 anos, ao invés de 30. Mas se os casos de depressão e estresse excessivo continuarem aumentando como uma conta de multiplicar, poderemos ter muito mais professores se aposentando mais cedo ainda nos próximos anos.
Mas o presidente do Ipasemar observa que a aposentadoria por tempo de contribuição para os profissionais da docência segue alguns critérios como tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público federal, estadual, distrital ou municipal e tempo mínimo de cinco anos no cargo em que vai receber o benefício.
Para os homens, é necessário ter 55 anos de idade e 30 anos de contribuição. E para as mulheres, a idade mínima é de 50 anos e contribuição de 25 anos. O cumprimento desses requisitos garante ao aposentado receber o benefício integralmente. São considerados como parte do magistério professores em exercício da função, diretores, coordenadores e assessores pedagógicos em estabelecimento de ensino.
A depressão tira as minhas forças, desabafa professora
Um desabafo que não vem acompanhado de um pedido de socorro. Aos 37 anos de idade, 14 deles dedicados ao magistério, a professora de iniciais E.B.F, que trabalha em uma escola municipal no núcleo Cidade Nova diz que não sabe exatamente quando iniciou um processo depressivo, mas diz que não faz questão de sair dele porque acha que os problemas que têm não podem ser resolvidos.
E.B.F. avalia que todos os problemas sociais acabam sempre na escola. Muitas vezes, ela faz funções que vão além do seu papel de ensinar. “Nos dias de hoje, o professor precisa lidar com a violência dentro do ambiente escolar, excesso de carga horária, salas de aulas lotadas, falta de material pedagógico e entre outros problemas que só aumentam. É um leque de coisas que contribuem para que a gente adoeça”, revelando que já ficou afastada do trabalho algumas vezes por esse motivo, mas acabou sendo obrigada a voltar.
E.B.F. diz que a maioria dos professores de sua escola sabe que ela apresenta um quadro de depressão, mas pouco podem ajudar. Questionada se já procurou ajuda de profissionais, como psicólogo, ela diz que sim, e que chegou até mesmo a tomar muitos medicamentos, que apenas contribuíram para um grau mais elevado da doença. “Moro sozinha, não tenho vontade de fazer nada em casa. Como poucas vezes e acho que isso é muito ruim”, reconhece.
De fato, a rotina extenuante de alguns professores tem levado os responsáveis pela formação de novos cidadãos ao adoecimento. Esse cenário é comprovado por dados da Organização Internacional do Trabalho, que destaca que a profissão está entre as mais desgastantes do mundo, gerando alta incidência de licença por conta de problemas de saúde. “Como professora, me vejo sozinha. A gente adoece porque percebe que não dará conta de tantos problemas. São muitas funções para quem, na verdade, só deveria ensinar”, justifica.
“Eu seria professora de novo se começasse hoje”
A professora Maria Célia Fernandes é uma exceção numa regra em que a maioria dos professores aposenta com pouca qualidade de vida. Aos 56 anos de idade, aposentada há cinco, ela se orgulha de ter sido educadora por 31 anos e diz que a única sequela que ficou do tempo de sala de aula é um distúrbio nas cordas vocais.
Ela reconhece que a depressão é o mal dos professores da modernidade e diz que viu muitos colegas se abaterem com essa doença e mesmo assim continuarem trabalhando. Mesmo com todos esses problemas, ela diz que se fosse começar tudo de novo, escolheria ser professora, embora goste da área de saúde.
Foram mais de 20 anos trabalhando sempre em sala de aula. Depois, foi trabalhar na sede da Semed (Secretaria Municipal de Educação) e em seguida no Conselho Municipal de Educação, onde passou a estudar leis que regem o sistema de educação.
Na avaliação de Maria Célia, o grande desafio do professor da geração atual é conseguir dominar as tecnologias e usá-las em favor do processo ensino-aprendizagem. Para ela, que é formada em Pedagogia e atuou por vários anos com Língua Portuguesa, o domínio da turma pelo professor é fundamental, mas é necessário trabalhar com alegria para contagiar os alunos.
Célia diz que é de uma geração em que muitos professores se dedicaram de corpo e alma ao trabalho em sala de aula e, de uma forma geral, à educação do município. E cita, com orgulho, a professora Lúcia Costa Bichara, que trabalhou no estado e município por várias décadas e deixou um legado de sobriedade e dedicação ao magistério como poucos. (Ulisses Pompeu e Esaú Moraes)
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